TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 500

A GUERRA FISCAL DO ICMS: QUEM GANHA E QUEM PERDE*

Ricardo Varsano **

Rio de Janeiro, julho de 1977

* Uma versão anterior deste texto foi apresentada no Seminário Internacional Políticas Industriais Descentralizadas, patrocinado pela Cepal e pelo IPEA e realizado em Brasília em 11 e 12 de novembro de 1996. ** Coordenador geral de estudos setoriais da Diretoria de Pesquisa do IPEA.

O IPEA é uma fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento, cujas finalidades são: auxiliar o ministro na elaboração e no acompanhamento da política econômica e prover atividades de pesquisa econômica aplicada nas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial.

Presidente

Fernando Rezende

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TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultados de estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA, bem como trabalhos considerados de relevância para disseminação pelo Instituto, para informar profissionais especializados e colher sugestões.

ISSN 1415-4765

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SUMÁRIO

RESUMO ABSTRACT 1 - A LEI PERDE E A FEDERAÇÃO TAMBÉM .........................................1 2 - CONDIÇÕES QUE JUSTIFICAM A

CONCESSÃO DE INCENTIVOS ..........................................................2 3 - O PONTO DE VISTA NACIONAL: O PAÍS PERDE.................................................................................................4 4 - A ÓTICA DO GOVERNO ESTADUAL: O ESTADO (QUASE SEMPRE) GANHA (POR ALGUM TEMPO).........................................................................6 5 - GUERRA FISCAL E SINALIZAÇÃO ECONÔMICA .......................................................................................8 6 - RESUMO DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS E CONCLUSÕES...............................................................................11

RESUMO

Os estados brasileiros têm disputado entre si a recepção de novos empreendimentos mediante a concessão, à revelia da lei, de incentivos financeirofiscais relacionados ao ICMS, que vêm prejudicando as suas já deterioradas condições financeiras. Este artigo propõe um conjunto de condições que, se satisfeitas, justificariam a concessão dos incentivos fiscais e mostra que, embora a guerra fiscal prejudique o país, desde a ótica de um governo estadual, as condições propostas são quase sempre aceitas. Discute-se, a seguir, a dinâmica perversa da guerra fiscal: as finanças de todos os participantes se deterioram — e, com elas, as condições locais de produção — e as renúncias fiscais perdem seu poder de atrair empreendimentos. Ao final, os vencedores da guerra são os estados financeiramente mais poderosos, capazes de suportar o ônus das renúncias e, ainda assim, assegurar razoáveis condições de produção. Conclui-se que existem erros de sinalização econômica que criam divergências entre os objetivos nacionais e estaduais e entre a melhor estratégia de desenvolvimento do estado a curto e a longo prazos. O principal ponto a corrigir é a sistemática atual de tributação das transações interestaduais. Caso se adote o princípio de destino nas operações interestaduais, além de outras vantagens, praticamente elimina-se a guerra fiscal.

ABSTRACT

Brazilian states have been competing among themselves to harbor industrial plants by granting incentives related to the state value added tax — the ICMS — which, though forbidden by law, show an intensity incompatible with states current financial conditions. This article proposes a set of conditions that should be met to justify the provision of incentives and shows that, from a national perspective, they are seldom met. However, from the point of view of a particular state government, the same conditions are satisfied in most cases, justifying its engagement in the fiscal war, which dynamics is quite perverse: public finances

— and, as a consequence, local production conditions — deteriorate in all states and fiscal incentives, due to generalization, loose their power to attract investment. The ultimate winners of the fiscal war are the financially stronger states, which are able to support the revenue loss and yet provide reasonable production conditions. It’s argued that divergence between national and state objectives and between the best state development strategy in the short and in the long runs could be smoothed out by changing the border tax adjustments adopted for treatment of interstate trade flows. If the destination principle were implemented, incentives to participate in the fiscal war would be practically eliminated.

1 - A LEI PERDE E A FEDERAÇÃO TAMBÉM

A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, ao regulamentar o ICMS

— imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação —, além de preencher uma lacuna existente desde a promulgação da Constituição de 1988, introduziu importantes alterações nas características econômicas deste tributo, que é a principal fonte de receita dos estados brasileiros. Primeiro, aproximou-o do conceito teórico de imposto sobre o valor adicionado (IVA), ao estabelecer que todos os insumos produtivos gerarão crédito do imposto pago anteriormente pelo adquirente. Segundo, assemelhou o ICMS — que era um IVA tipo produto bruto — a um IVA tipo consumo, ao permitir que os contribuintes se creditem do imposto pago sobre bens que incorporarem a seus ativos permanentes.1 E, terceiro, adotou, enfim, o princípio de destino no comércio exterior, ao desonerar as exportações de produtos primários e industrializados semi-elaborados — que ainda eram tributadas — e assegurar o aproveitamento dos créditos de imposto que o exportador vier a acumular.

O projeto de lei que deu origem à Lei Complementar nº 87/96 pretendia também reforçar os dispositivos legais já existentes que buscam coibir a guerra fiscal entre estados. No entanto, em virtude da resistência oferecida por alguns governadores a abrir mão da utilização de incentivos vinculados ao ICMS como instrumentos de suas políticas industriais, foi necessário, para assegurar a aprovação dos aprimoramentos que o projeto de lei continha, um acordo político entre o Senado Federal e o Presidente da República segundo o qual o primeiro aprovaria o projeto sem alterações e o segundo vetaria os dispositivos que tratavam da concessão de incentivos no âmbito do ICMS. Tal acordo não criou um vácuo na legislação a este respeito, posto que, em decorrência de os vetos terem retirado integralmente da nova lei os dispositivos que regulamentariam a matéria, permanece em vigor a Lei Complementar nº 24 de 7 de janeiro de 1975.

A guerra fiscal se trava à revelia da Lei Complementar nº 24/75, que veda as concessões de isenções e outros incentivos relacionados ao ICMS, salvo quando previstas em convênios celebrados em reuniões do Conselho de Política Fazendária (Confaz) que congrega todos os estados e o Distrito Federal. A lei determina que a aprovação da concessão de um benefício dependa de decisão unânime dos estados representados e prevê penalidades em caso de inobservância de seus dispositivos. Bastaria o cumprimento desta lei — nem mesmo o reforço

1 A desoneração de um bem de capital do IVA pode ocorrer de dois modos: isentando a venda do bem, assegurada a manutenção do crédito relativo a imposto pago anteriormente pelo seu produtor, ou tributando a venda e concedendo crédito do imposto pago ao seu adquirente. A Lei Complementar nº 87/96 preferiu o segundo caminho. Vale dizer, para contribuintes do imposto, o ICMS é um IVA tipo consumo; mas a aquisição de bens de capital por não contribuintes (setor público e setor serviços, exceto os de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) continua a ser tributada.

contido nos artigos vetados da Lei Complementar nº 87/96 seria necessário — para que as guerras fiscais acabassem.

O fato é que a guerra fiscal continua, embora a lei exista há mais de 20 anos. A lei é inobservada e ninguém toma a iniciativa de exigir a imposição das sanções previstas, a despeito da expressão “guerra fiscal” ser sempre utilizada com uma conotação negativa, como um malefício. O desrespeito à Lei pelos próprios governantes é certamente uma perda para a nação.

A guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha — quando, de fato, existe algum ganho — impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. O federalismo, que é uma relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalado. Também a Federação — cara aos brasileiros a ponto de a Constituição conter cláusula pétrea que impede sua abolição — perde.

Argumenta-se a seguir que há boas razões para a conotação negativa dada à expressão “guerra fiscal”; mas que, do ponto de vista de um governo estadual, há claros incentivos econômicos, além dos políticos, para que a guerra continue. Enquanto eles existirem, dificilmente a lei será cumprida. A Seção 2 propõe condições que deveriam ser satisfeitas para que a concessão de incentivos tenha mérito. Na Seção 3, argumenta-se, com base nas considerações da seção anterior, que, do ponto de vista nacional, a guerra fiscal é inaceitável. O país é um perdedor nesta guerra. A Seção 4 discute a questão desde a ótica de um governo estadual, com base nas mesmas considerações, concluindo que um dado estado pode obter ganhos participando da guerra. Mas a dinâmica da guerra fiscal é perversa. Com o seu aprofundamento todos perdem. Quanto às empresas, há as que ganham; mas há também as que perdem com a guerra fiscal.

A Seção 5, partindo do pressuposto antes mencionado de que os estímulos econômicos conspiram contra e prevalecem sobre as disposições legais que coíbem a guerra fiscal, mostra que, caso a legislação do ICMS adotasse o princípio de destino nas operações interestaduais, seriam praticamente eliminados os estímulos que induzem os estados a dela participarem. As principais dificuldades a enfrentar para implementar o princípio de destino são discutidas, concluindo-se que elas são contornáveis.

A Seção 6 resume seus principais argumentos e conclui o artigo.

2 - CONDIÇÕES QUE JUSTIFICAM A CONCESSÃO DE INCENTIVOS

O produto da arrecadação de um tributo nada mais é que uma transferência monetária do setor privado para o setor público. Como tal, ele não é um custo para a sociedade. O custo social de um imposto se origina das distorções que ele causa na alocação dos recursos da economia e, em escala usualmente muito menor, da necessidade que ele cria de se alocar recursos produtivos para, de um lado, administrá-lo e, de outro, dar cumprimento às obrigações fiscais dos contribuintes.

Todos os impostos utilizados na prática, por induzirem mudanças no comportamento dos agentes econômicos, afetam a alocação de recursos e, portanto, impõem — uns mais, outros menos — custos à sociedade. Conceitualmente, a tributação justifica-se na medida em que o benefício gerado pelo uso público de recursos da sociedade, possibilitado pela arrecadação, seja maior que seu custo de oportunidade — medido pelo benefício social do melhor uso privado dos recursos —, acrescido do custo criado pela tributação. Estaticamente considerada, a renúncia fiscal é sempre injustificada: se há mérito na tributação, o uso privado dos recursos é sempre uma alternativa inferior; e, se não há, não cabe a renúncia, mas sim a extinção do tributo.

Na prática, não é possível criar e eliminar tributos a cada momento, em função de mudanças que ocorrem nas condições econômicas. Embora a tributação sofra alterações praticamente todos os dias, o elenco de tributos bem como suas características básicas são bastante estáveis. Assim sendo, o sistema tributário jamais é perfeitamente adequado ao ambiente econômico ao qual se aplica. Mantida a linha conceitual evocada no parágrafo anterior, o incentivo fiscal pode ser concebido como uma eliminação marginal de tributo em virtude do surgimento de uma nova oportunidade de uso privado de recursos da sociedade cujos benefícios sejam superiores aos do uso público a que se destinavam.

As armas usadas na guerra fiscal do ICMS visam atrair empreendimentos para o território da unidade que as utiliza. São incentivos diversos, em geral de natureza financeiro-fiscal, que resultam na redução ou devolução parcial do imposto a recolher. De acordo com o argumento anterior, caberia a concessão de incentivos somente no caso de oportunidade de uso privado dos recursos:

a) que não seria aproveitada em qualquer ponto do território da unidade considerada caso o incentivo não fosse concedido;

b) que seja efetivamente nova, isto é, uma adição ao investimento na unidade;2 e

c) cujos benefícios sejam, pelo menos parcialmente, apropriados por residentes da unidade, que — a menos de externalidades interjurisdicionais (spillovers) — são os que perdem com a redução da provisão pública de bens; e que a parte apropriada supere os benefícios gerados pelo anterior uso público dos recursos.

2 Esta condição, como declarada no texto, é, na verdade, algo mais restritiva que o devido. De fato, se um projeto incentivado A é realizado em substituição a um projeto não-incentivado B que envolva igual investimento, não há qualquer adição ao investimento na unidade. Contudo, o incentivo seria justificável se o benefício social líquido do projeto A fosse maior que o do projeto

B. Preferiu-se, para simplificar o texto, ainda que ao custo de alguma perda de rigor, ignorar tal possibilidade.

A primeira dessas condições reflete o fundamento da concessão de qualquer incentivo: o uso de recursos públicos para estímulo ao investimento privado só se justifica caso existam externalidades que criem divergências entre custos (ou benefícios) privados e sociais. A segunda e terceira condições, em conjunto, asseguram que a concessão do incentivo aumente o bem-estar da população da unidade. Só faz sentido utilizar recursos públicos para estimular empreendimentos que venham a gerar uma adição — que não existiria na ausência do incentivo — à renda futura dos residentes, que seja maior que o valor por eles atribuído ao bem cuja provisão pública se reduziu ou deixou de existir.

3 - O PONTO DE VISTA NACIONAL: O PAÍS PERDE

Nesta seção, aplicam-se as condições apresentadas anteriormente considerando como unidade territorial o país. Verifica-se que são poucos os casos de empreendimentos que, do ponto de vista nacional, mereçam o incentivo estadual, ou seja, são raras as batalhas da guerra fiscal de que resulte um ganho líquido para

o país.

O primeiro ponto a notar é que não é possível estimular via ICMS novos empreendimentos que visem destinar, diretamente, seus produtos ao mercado externo, posto que o imposto não incide sobre exportações e, desde 1º de novembro de 1996, por força da Lei Complementar nº 87/96, também não onera os bens de capital que se incorporarão ao seu ativo permanente.

Existe, porém, o caso em que a exportação é feita indiretamente, através de outra empresa. Neste caso, a redução (ou devolução) do imposto a recolher da empresa produtora, associada à manutenção do crédito do imposto incidente sobre a mercadoria adquirida pelo estabelecimento exportador, constitui um incentivo. Como, considerada toda a cadeia de produção e comercialização, o imposto incidente sobre a mercadoria exportada é igual a zero, a “redução de imposto a recolher” é, na verdade, um subsídio, velado sob o manto do imposto, quase idêntico ao que fosse concedido, via orçamento, à empresa que exporta diretamente seus produtos. A diferença entre eles é que o subsídio concedido via ICMS pode estimular a criação de um elo a mais na cadeia de produção e comercialização apenas para aproveitá-lo. Por ser desnecessária, a existência do elo a mais constitui redução da eficiência econômica. Mesmo quando o subsídio via ICMS satisfaz as condições estabelecidas na seção anterior, ele impõe uma perda ao país que o subsídio via orçamento não imporia.3

Considerando empresas voltadas para o mercado interno, estimular a relocalização de um empreendimento situado em outro estado é também, do ponto de vista nacional, desperdício de recursos. Troca-se bem público por lucro adicional,

3 Mais adiante ver-se-á que a sistemática de tributação do comércio interestadual adotada atualmente para o ICMS pode estimular os governos estaduais a participarem da guerra fiscal atraindo exportadores indiretos.

desnecessário para assegurar a existência do estabelecimento no país; ou, pior, admitindo que a localização original tenha sido corretamente escolhida, os recursos públicos renunciados são em parte consumidos pela ineficiência alocativa provocada por uma localização que não é a melhor.

Da mesma forma, conceder redução de ICMS para empreendimentos multinacionais que se instalariam no Brasil, ainda que em outro estado, mesmo que o incentivo não existisse, é entregar a não-residentes em troca de nada recursos antes utilizados para aumentar o bem-estar da população do país. Desde a ótica nacional, a redução de imposto só se justificaria caso a empresa não viesse a se instalar em qualquer ponto do país sem o incentivo.

No caso de empreendimentos a serem realizados com capital nacional, há uma restrição adicional importante para que se possa caracterizar como meritória a concessão do incentivo. A entrada de capital externo é sempre uma adição ao investimento no país, restando apenas estabelecer se ela ocorreria ou não na ausência do incentivo. No caso do capital nacional é necessário saber também qual seria o uso alternativo dos recursos. Assim, mesmo quando o objetivo é viabilizar, mediante renúncia fiscal, um empreendimento que sem ela não existiria, só cabe, do ponto de vista nacional, a concessão do incentivo se os recursos privados que seriam usados no empreendimento se destinassem, em face de sua inviabilidade, a outro uso que não o investimento no país, ou seja, a consumo ou a investimento no exterior.4

Diante de todas essas restrições, é possível afirmar, mesmo sem analisar projetos, que são raríssimos os casos em que se justifica, do ponto de vista nacional, a concessão do incentivo estadual. Mesmo nesses casos, há pelo menos um argumento adicional que reforça a tese de que a concessão de incentivos relacionados ao ICMS é deletéria para o país.

É certamente aceitável, em face da dinâmica do desenvolvimento, que se incluam entre os objetivos da política industrial a desconcentração da produção e o desenvolvimento regional e que se utilizem recursos públicos com estas finalidades. Tais objetivos, no entanto, são necessariamente nacionais e, por isso, devem ser perseguidos sob a coordenação do governo central. Quando, através da guerra fiscal, estados tentam assumir este encargo, o resultado tende a ser desastroso. Primeiro, os vencedores das guerras fiscais são, em geral, os estados de maior capacidade financeira, que vêm a ser os mais desenvolvidos, com maiores mercados e melhor infra-estrutura. Segundo, ao renunciar à arrecadação, o estado está abrindo mão ou da provisão de serviços (educação, saúde, a própria infra-estrutura etc.) que são insumos do processo produtivo ou do equilíbrio fiscal, gerando instabilidade macroeconômica.

4 Aplica-se ao argumento contido neste parágrafo a observação feita na nota de rodapé nº 2.

O déficit fiscal atualmente existente no Brasil deve-se em grande parte ao desequilíbrio das contas públicas estaduais. Em diversos estados, a arrecadação é quase que insuficiente para cobrir exclusivamente os gastos com pessoal. Mesmo entre estes há os que insistem em participar de verdadeiros leilões promovidos por empresas que já decidiram instalar novos estabelecimentos no país. Em alguns casos, até mesmo o estado de localização já foi escolhido e o leilão nada mais é que um instrumento para forçar a unidade a conceder vantagens adicionais.

Obviamente, um programa de ajuste fiscal requer, entre muitas outras medidas, que o governo central adote uma posição frontalmente contrária à guerra fiscal entre estados, buscando coibi-la por todos os meios que estiverem ao seu alcance. Ela significa uma sangria de recursos públicos que, desde a ótica nacional, é inaceitável em face da insuficiência destes e, na maioria das vezes, inútil. A guerra fiscal é, além disso, fator de atrito entre as unidades da Federação. Os estados dela reclamam mas não tomam qualquer atitude concreta para coibi-la, seja porque são participantes ou por vislumbrarem a possibilidade de vir a sê-lo.

Conclui-se portanto que o país perde com a guerra fiscal. Mas será que as guerras fiscais são feitas apenas por governadores que teimam em fazer o mal ou que vêem nela uma oportunidade de beneficiar seus projetos políticos pessoais em detrimento da população? Ou existem motivações de caráter público para que assim procedam?

4 - A ÓTICA DO GOVERNO ESTADUAL: O ESTADO (QUASE SEMPRE) GANHA (POR ALGUM TEMPO)

Embora as condições teóricas para que se atribua mérito à concessão de incentivos, expostas na Seção 2, sejam as mesmas do ponto de vista da nação e sob a ótica de um de seus governos estaduais, a simples mudança do território focalizado — de país para estado — altera completamente a história contada na seção anterior.

O governador de um estado, como homem público que é, está certamente empenhado em atender aos interesses maiores da nação. Mas, até mesmo por dever de ofício, coloca os de seu estado acima daqueles e, no caso de conflito de interesses, certamente defenderá os de sua unidade, tendo como bandeira a autonomia dos entes federados. Ademais, é natural que se preocupe também com sua carreira política. Se a concessão de incentivos, ao menos na sua visão, traz benefícios para seu estado e, além disso, gera bons dividendos para seu projeto político pessoal, junta-se o útil ao agradável. Ele fatalmente os concederá, a despeito dos interesses nacionais, ainda mais quando estes se manifestam de forma difusa, como, por exemplo, eficiência econômica.

Seguindo a mesma ordem da seção anterior, considere-se inicialmente o caso da produção para exportação. A atração para o território do estado de uma empresa que oriente sua produção para o mercado externo não gera diretamente qualquer receita e, como se verá a seguir, pode até mesmo criar ônus para o erário estadual. Mas cria empregos e, portanto, renda adicional para os residentes do estado, o que, do ponto de vista econômico, é um bom negócio para a unidade. Considerado o impacto indireto do empreendimento, até mesmo a fazenda estadual pode, mais adiante, sair ganhando. A menos que esta empresa tivesse a intenção de localizarse no estado mesmo que não houvesse incentivo, as condições estabelecidas na Seção 2 são satisfeitas. Sendo politicamente mais fácil e rápido e administrativamente menos transparente prover o subsídio por via financeirofiscal que através de dotação orçamentária explícita, a primeira será utilizada sempre que possível.

A sistemática de tributação das operações interestaduais vigente para ICMS é patogênica no que diz respeito às exportações (e em alguns outros casos). Considere-se uma empresa localizada no estado A cuja produção é total e diretamente exportada. Devido à isenção das exportações, as saídas de mercadorias realizadas pela empresa não geram débitos de ICMS. Mas as aquisições de insumos geram créditos que, na falta de débitos que os compensem, precisam ser ressarcidos à empresa exportadora para assegurar a isenção do valor total das exportações. Se as aquisições são feitas de outras empresas do estado A,

o ressarcimento corresponde exatamente ao que o estado arrecadou anteriormente dos produtores de insumos. Se, no entanto, os insumos são adquiridos do estado B, cabe a ele a arrecadação do imposto incidente sobre os insumos e ao estado A a concessão do crédito de imposto correspondente. A exportação, além de não gerar receita, cria um ônus para os cofres estaduais.

Por outro lado, se a exportação, ao invés de direta, é feita através de uma firma situada no estado C, o estado B arrecada o imposto correspondente ao valor dos insumos, o estado A coleta o referente ao valor adicionado pelo produtor e o estado C paga toda a conta relativa ao imposto anteriormente incidente. Neste caso, é um excelente negócio para o estado A atrair para seu território a empresa produtora do bem exportado. Ele pode abrir mão de apenas parte de sua receita e, além das vantagens econômicas, ainda arrecadar alguma coisa. A sistemática de tributação das operações interestaduais estimula a concessão do incentivo.

Nos casos de empreendimentos voltados para o mercado interno, do ponto de vista de um governo estadual, o estímulo à relocalização de uma empresa situada em outro estado ou a atração de novos empreendimentos, sejam eles financiados por capital nacional ou externo, embora possa atentar contra a Federação e/ou a eficiência econômica, em nada fere as regras enunciadas na Seção 2. A exceção é, outra vez, o caso de uma empresa que já escolheu localizar-se no estado e apenas barganha algum benefício adicional.

Também nesses casos a sistemática vigente de tributação do comércio interestadual é um fator de estímulo à política de atrair empresas. A alíquota do ICMS aplicável às transações interestaduais, não obstante ser inferior à alíquota aplicável a uma operação interna com a mesma mercadoria, é positiva, de modo que a receita referente àquela transação se reparta entre as unidades de origem e de destino. Por ser positiva, ela permite que um estado A atraia, por meio de devolução de imposto a recolher, uma empresa para o seu território mesmo no caso extremo em que todo o mercado consumidor do bem por ela produzido esteja situado no estado B.

Nesse caso extremo, admitida igualdade de condições de produção em A e B, a perda de eficiência econômica é bastante evidente. Materializa-se no aumento dos custos de transporte. Mas, se a devolução de imposto tiver valor superior ao do aumento de custos, é vantajoso, do ponto de vista privado, instalar a empresa em

A. Isto lhe confere uma vantagem em relação aos seus competidores localizados em B, que pode se traduzir em maior lucro por unidade vendida ou ampliação de sua fatia do mercado.

Fica evidente a este ponto que as empresas que obtêm vantagens fiscais ganham, mas que outras, já instaladas, que disputam mercado com as aquinhoadas, perdem. Por isso, pressionam o governo estadual no sentido de concederem idênticos incentivos que lhes permitam competir em iguais condições. Em face da dificuldade de resistir a esta justa reivindicação, a sangria dos recursos públicos do estado aumenta. E como as empresas prejudicadas não se restringem às localizadas em A, todos os demais governos estaduais sofrem pressões semelhantes.

Se A consegue atrair empresas e com isso obter vantagens para a sua população, o estado B, que dispõe de idênticos instrumentos, pode agir da mesma maneira. Começa a guerra fiscal que reduz ainda mais a disponibilidade de recursos públicos; ainda assim, é vantajosa. Mas, C, D e Z também dispõem dos instrumentos. A guerra fiscal se espraia e aprofunda.

Com o passar do tempo, as renúncias fiscais se avolumam e os estados de menor poder financeiro perdem a capacidade de prover os serviços e a infra-estrutura de que as empresas necessitam para produzir e escoar a produção. As batalhas da guerra fiscal passam a ser vencidas somente pelos de maior poder financeiro, que são também os que têm acesso mais fácil a crédito. Ao mesmo tempo, com a generalização dos benefícios fiscais — todos os estados concedendo incentivos semelhantes —, estes perdem seu poder de estímulo que depende de diferenças na tributação. A guerra fiscal transforma os incentivos em meras renúncias de arrecadação que não têm qualquer efeito estimulador. Em face da redução generalizada do peso da tributação, as empresas passam a escolher sua localização em função de fatores econômicos, entre os quais a qualidade da infra-estrutura e dos serviços públicos oferecidos. Evidentemente, a guerra fiscal é inimiga da política de desenvolvimento regional e da desconcentração industrial.

5 - GUERRA FISCAL E SINALIZAÇÃO ECONÔMICA

Nenhum governador é desinformado e, entre eles, é raríssimo um caso de miopia econômica. Todos sabem que, no limite, o desfecho da guerra fiscal do ICMS será o relatado nos parágrafos anteriores. Mas sabem também que, enquanto o limite não for atingido, há ganhos a serem obtidos fazendo a guerra fiscal. Nesta questão, existem claramente erros de sinalização econômica que criam divergências entre os objetivos nacionais e estaduais e entre a melhor estratégia de desenvolvimento do estado a curto e a longo prazos.

Os 22 anos de vigência e inobservância da Lei Complementar nº 24/75 autorizam a conjectura de que os estímulos econômicos prevalecem sobre as disposições legais que coíbem a guerra fiscal. Metade deste tempo decorreu durante o regime autoritário e nem mesmo nele foi possível juntar vontade política suficiente para exigir o cumprimento da lei. Pode-se tentar, como fez o projeto de lei de que resultou a Lei Complementar nº 87/96, ampliar as restrições à guerra fiscal. Mas, mesmo que se consiga apoio político para transformar a proposta em lei, pode-se antecipar que as disposições legais mais drásticas serão igualmente descumpridas.

A solução para a questão reside na mudança da sinalização econômica de modo que se minimize o estímulo à participação na guerra. Como se mostrou neste artigo, um forte sinal na direção errada é fornecido pela legislação que trata da tributação dos fluxos de comércio interestadual pelo ICMS. Como se viu, a solução salomônica adotada para a apropriação da receita das operações interestaduais dá margem à exacerbação da guerra fiscal.

Do ponto de vista nacional, o ICMS é hoje um imposto sobre o consumo; mas, da ótica de cada estado, ele é um híbrido, parte imposto sobre a produção do estado e parte sobre o seu consumo. Como a mobilidade dos fatores de produção, especialmente a do capital, é muito maior que a dos consumidores, o imposto sobre a produção é arma muito mais poderosa na guerra fiscal que o de consumo. A minimização do estímulo para dela participar requer que se transforme o ICMS em um imposto sobre consumo também do ponto de vista do governo estadual. Para tanto, basta adotar o princípio de destino para a tributação dos fluxos de comércio interestaduais, a exemplo do que já se faz no comércio exterior.

Adotar o princípio de destino significa eliminar a alíquota interestadual do imposto. Isto feito, todos os produtos destinados ao consumo em determinado estado — sejam eles produzidos no próprio estado, em outro ou no exterior — geram arrecadação exclusivamente para aquele estado; e bens ali produzidos, destinados a outros estados ou ao exterior, não são por ele tributados.

Esta sistemática não elimina de todo a guerra fiscal, mas impõe fortíssima restrição à eficácia dos incentivos do ICMS. Como todas as saídas de mercadorias destinadas a outros estados ou ao exterior não são tributadas, elas não servem de base para a concessão de incentivos; e como a Constituição veda aos estados estabelecer diferença tributária entre bens em razão de sua procedência ou destino, não há como privilegiar o consumo de bens produzidos no estado.5 A única forma

5 Art. 152 da Constituição Federal de 1988.

possível de conceder benefício fiscal para atrair empreendimentos é a redução do imposto a recolher, cujo valor agora depende do volume de vendas da empresa para dentro do estado. Evidentemente, somente as empresas que pretendam dirigir a sua produção primordialmente para este mercado poderão ser atraídas. Ademais, elimina-se a hipótese — que, como se viu, existe atualmente e não é mera curiosidade teórica, pois efetivamente ocorre — de um estado conceder incentivo e outro pagar a conta.

A adoção do princípio de destino tem outras vantagens: elimina a injusta redistribuição de receita entre estados que hoje existe quando uma saída tributada de mercadoria para outro estado é seguida de uma saída isenta (ou de nenhuma), caso em que um estado arrecada e outro concede o crédito de imposto;6 possibilita a isenção (ou redução da alíquota) de produtos cujo consumo tem peso importante nos orçamentos das famílias mais pobres sem causar danos maiores à arrecadação de estados que tenham produção fortemente concentrada naqueles bens; e promove profunda alteração na distribuição dos recursos fiscais estaduais em favor dos estados importadores líquidos em comércio interestadual, que vêm a ser os mais pobres.

A última das vantagens mencionadas é também uma das dificuldades que se apresentam para a implantação do princípio de destino. Os estados exportadores líquidos no comércio interestadual são numericamente poucos; mas são importantes tanto em termos de movimento econômico como politicamente. São Paulo, por exemplo, sofreria uma perda superior a 10% de sua arrecadação total, dificilmente suportável se for abrupta.7 A solução óbvia para contornar esta dificuldade é a implantação gradual, reduzindo-se paulatinamente a alíquota estadual até zero.

Outra dificuldade, também contornável, é a necessidade de reestruturação das administrações fazendárias estaduais, principalmente nos estados menos desenvolvidos. A arrecadação está atualmente concentrada em um número relativamente pequeno de contribuintes, o que leva a administração a nelas focalizar o controle. Com o princípio de destino ocorre diluição da arrecadação, o que requer alteração nos métodos de fiscalização.

A última das dificuldades é o aumento do estímulo à sonegação. A diferença entre as alíquotas interestadual e interna estimula o mau contribuinte a simular uma operação interestadual e entregar a mercadoria no próprio estado, dando início a uma cadeia de evasão. O problema, que já é grave, seria ampliado com a eliminação da alíquota aplicável a operações interestaduais.

Este problema é solucionado pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera o Capítulo do Sistema Tributário — PEC nº 175/95 —, que ora tramita no

6 Este é o caso das exportações, aqui tratado, bem como dos bens de capital.

7 Evidentemente, a esta perda correspondem grandes ganhos para os estados menos desenvolvidos, dado que a receita total dos estados não se altera com a adoção do princípio de destino.

Congresso. Ela substitui o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) — e o ICMS por um novo imposto de características semelhantes ao último, partilhado pela União e pelos estados, e cria um mecanismo que elimina completamente o tipo de sonegação mencionado, inclusive no caso de se vir a adotar o princípio de destino.8 Cabe salientar que a proposta contida na PEC nº 175/95 facilita a solução dos dois outros problemas mencionados. Primeiro, a perda de arrecadação que os estados exportadores líquidos no comércio interestadual sofreriam com a adoção do princípio de destino seria parcialmente compensada pelo ganho resultante da redução da sonegação; e, segundo, a dificuldade de fiscalização criada pela diluição da arrecadação é menor com o ICMS partilhado do que com o ICMS atual, posto que existiria registro na União das duas pontas das transações interestaduais.

A PEC nº 175/95 deixa a cargo do Senado Federal a decisão de pôr em prática o princípio de destino. Sendo ele um possante instrumento para coibir a guerra fiscal

— além de apresentar outras virtudes, inclusive beneficiar estados menos desenvolvidos —, é preferível assegurar sua adoção no próprio corpo da Constituição, prevendo-se sua implantação progressiva. Para que a guerra fiscal praticamente termine, basta que o Congresso Nacional emende a PEC nº 175/95 nesse sentido e providencie sua aprovação.

6 - RESUMO DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS E CONCLUSÕES

A alínea g do inciso XII do artigo 155 da Constituição de 1988 atribui à lei complementar competência para “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. A lei complementar nº 24/75, recepcionada pela Constituição, veda a concessão de incentivos relacionados ao ICMS, salvo nos casos previstos em convênios celebrados no âmbito do Confaz, cuja aprovação depende de decisão unânime dos estados. Não obstante, os governos estaduais vêm concedendo incentivos à revelia do Confaz, competindo entre si para abrigar novos empreendimentos.

Esta competição — a guerra fiscal — vem prejudicando as finanças estaduais — e, conseqüentemente, o ajuste fiscal — bem como a provisão pública de bens e serviços, muitos deles importantes insumos do processo de produção. Além disso, a guerra fiscal cria conflitos entre as unidades da Federação e seus resultados tendem a contrariar objetivos de políticas — necessariamente nacionais — que visem ao desenvolvimento regional ou à desconcentração da produção. A despeito desses males, a guerra fiscal seria aceitável se seus benefícios sociais líquidos fossem positivos. Argumentou-se, porém, que são raríssimos os casos em que se justifica, do ponto de vista nacional, a concessão do incentivo estadual.

8 A este respeito ver R. Varsano, “A Tributação do Comércio Interestadual: ICMS Atual versus ICMS Partilhado”, Texto para Discussão nº 382, IPEA, set. 95.

Discutiu-se também a perversa dinâmica da guerra fiscal: após algum tempo, com a generalização dos benefícios fiscais — todos os estados concedendo incentivos semelhantes —, estes perdem seu poder de estímulo e transformam-se em meras renúncias de arrecadação. De um lado, em face da redução generalizada do peso da tributação, as empresas passam a escolher sua localização somente em função das condições de mercado e de produção, que incluem a qualidade da infraestrutura e dos serviços públicos oferecidos. De outro, com o aumento das renúncias fiscais, os estados de menor poder financeiro perdem a capacidade de prover os serviços e a infra-estrutura de que as empresas necessitam para produzir e escoar a produção. As batalhas da guerra fiscal passam a ser vencidas somente pelos estados mais desenvolvidos, que têm maior poder financeiro, sendo, por isso, capazes de suportar o ônus das renúncias e, ainda assim, assegurar razoável qualidade dos serviços públicos.

Do ponto de vista de um estado — a despeito da guerra fiscal do ICMS ser prejudicial à nação e ainda que seu desfecho seja o relatado no parágrafo anterior —, há ganhos a serem obtidos enquanto a situação limite não for atingida. A atração de uma empresa, mesmo que não gere diretamente qualquer receita, cria empregos e, portanto, renda adicional para os residentes do estado. Considerado o impacto indireto do empreendimento, até mesmo a fazenda estadual pode, mais adiante, sair ganhando. A menos que a empresa tivesse a intenção de localizar-se no estado mesmo na ausência de estímulos, as condições que justificam a concessão do incentivo estadual, estabelecidas na Seção 2, são satisfeitas. Assim sendo, adotada a ótica do estado, é justificável que um governo estadual se dedique a atrair empresas participando da guerra fiscal.

Conclui-se, portanto, que, no processo de guerra fiscal, os estímulos econômicos que pautam o comportamento de cada um dos governos estaduais provocam ações cujo resultado é indesejável para o país. Se todos os estados parassem de conceder incentivos, todos ganhariam; mas, se um estado se abstivesse de tal política e os demais continuassem a praticá-la, ele perderia. Nessas circunstâncias, proibições legais à concessão de incentivos dificilmente serão efetivas. É necessário alterar a sinalização econômica percebida pelos governos estaduais para evitar que suas ações individuais contrariem o interesse nacional.9

Um forte sinal na direção errada é fornecido pela legislação que trata da tributação dos fluxos de comércio interestadual pelo ICMS. Do ponto de vista nacional, o ICMS é hoje um imposto sobre o consumo; mas, da ótica de cada estado, ele é um híbrido, parte imposto sobre a produção do estado e parte sobre o seu consumo. A minimização do estímulo para que um estado participe da guerra fiscal requer que

9 Cabe observar o paralelismo que existe, quanto a este aspecto, entre o processo de guerra fiscal e o processo inflacionário. Neste, se todos os agentes econômicos mantivessem seus preços, o processo terminaria e todos ganhariam. Mas, se um agente mantivesse seu preço e os demais não, ele perderia. A experiência mostrou que proibições legais ao aumento de preços não foram capazes de por fim ao processo inflacionário. O êxito do Plano Real deve-se às mudanças que promoveu na sinalização econômica percebida pelos agentes, que compatibilizaram as ações individuais com o objetivo coletivo.

se transforme o ICMS em um imposto sobre o consumo também do ponto de vista do governo estadual, o que imporia fortíssima restrição à eficácia dos incentivos. Para tanto, basta adotar o princípio de destino para a tributação dos fluxos de comércio interestadual.

Existem dificuldades, todas contornáveis, para a implantação do princípio de destino. O principal problema, o estímulo ao aumento da sonegação já existente, produzido pela ampliação da diferença entre as alíquotas aplicáveis a transações internas a um estado e a operações interestaduais, é solucionado pela PEC nº 175/95 que ora tramita no Congresso. Ela cria um mecanismo que elimina completamente este tipo de sonegação. A proposta, porém, atribui ao Senado Federal a decisão quanto à adoção do princípio de destino. Para que a guerra fiscal praticamente termine, basta que o Congresso Nacional aprove a PEC nº 175/95, emendando-a para assegurar a adoção do princípio de destino independentemente de decisões políticas posteriores.