ENDIVIDAMENTO DE GOVERNOS SUBNACIONAIS

EM SISTEMAS FEDERAIS:

A EVIDÊNCIA DA ARGENTINA E DO MÉXICO

Stuart Landon

[Do livro, Gestão fiscal nas federações, Paul Boothe, ed. Ottawa: Fórum das Federações, 2003]

1a PARTE: INTRODUÇÃO

As análises dos sistemas federativos dão, relativamente, pouca atenção à questão do endividamento de governos subnacionais. Este ensaio delineia os tópicos principais associados ao ao endividamento subnacional: as razões pelas quais uma federação deve se preocupar com o acúmulo de dívidas pelos seus governos membros, os estímulos ao endividamento dos governos que são específicos das federações e as políticas para o controle do endividamento dos governos subnacionais.

2a PARTE: O EFEITO DE EXTERNALIDADE DO ENDIVIDAMENTO SUBNACIONAL

O acúmulo de dívidas por um membro da federação tem externalidade negativa se ele impõe custos a outros membros da federação (como, por exemplo, um aumento na taxa de juros). Na medida em que o governo que gera a externalidade não tem que arcar com o custo da mesma, não há qualquer incentivo para que ele a leve em conta, no momento de decidir quanto tomar em empréstimos. Por conseqüência, do ponto de vista da federação como um todo, cada governo acabará tomando empréstimos altos demais.

Há diversas razões pelas quais a dívida de um membro da federação pode gerar uma externalidade negativa para os outros.1 Suponhamos que os financiadores presumam que a dívida de cada membro da federação seja garantida, implícita ou explicitamente, pelos outros. A capacidade de obtenção de crédito de cada um dependerá, então, da habilidade de outros membros da federação de agirem conforme essa garantia e isso, por sua vez, dependerá da quantia total de dívida da federação. Assim, um acréscimo na dívida de um membro da federação aumenta as obrigações da federação como um todo e reduz a capacidade de obtenção de créditos de todos os governos da federação.

O governo central que garante dívidas subnacionais, ou que não deseja que o governo subnacional se torne inadimplente, pode buscar reduzir o valor real dessa dívida ou preencher a garantia da dívida por meio da monetização (Beetsma and Uhlig 1999). Os financiadores presumirão que a probabilidade de monetização aumentará de acordo com a quantidade de dívida subnacional. Assim, quanto maior for a dívida subnacional, maior será o prêmio de risco exigido pelos financiadores sobre dívidas de governos subnacionais, como proteção contra possível inflação. Dessa forma, aumentos na dívida de uma região fazem subir os custos de juros para todas as outras. Além disso, se o governo central monetizar a dívida de uma região, os custos reais da inflação causada por ela se extenderá a todas as outras. Igualmente, se o governo central assumir as obrigações de dívida de um governo subnacional, a dívida da região inadimplente se desloca para o governo central e, assim, para os contribuintes da federação como um todo.2

Tendo em vista que as obrigações dos governos membros de uma federação são, com freqüência, da mesma moeda e apresentam características parecidas de risco, os credores podem encarar a dívida desses governos como bastante substituível. Por conseqüência, os governos individuais da federação enfrentarão, cada vez mais, o surgimento de programas de financiamento que dependem da dívida da federação como um todo. O endividamento por um membro do governo, por aumentar a dívida da federação, aumentará a taxa de juros enfrentada por todos os governos. Esse efeito pode se agravar se o endividamento dos governos não for coordenado, deixando que uma grande quantidade de dívidas entrem no mercado ao mesmo tempo.

As dificuldades de pagamento da dívida em uma região podem afetar a concessão de empréstimo a outras se os financiadores enxergarem os problemas de uma delas como um sinal de que há, então, uma maior probabilidade de problemas em outras regiões, também. Além disso, a inadimplência de uma região, ao ameaçar a solvência do sistema financeiro, pode impor custos reais a todas as outras na federação.

Já que as regiões de uma federação estão, em geral, ligadas pelo comércio inter-regional, as mudanças nos níveis de endividamento de uma delas podem gerar efeitos de inflação e rendimento real na outras – especialmente, quando tais mudanças são efetuadas por uma região de grande expressão na federação. Além disso, o acúmulo de dívida por regiões individuais e, em particular, das grandes regiões, pode influenciar a política de estabilização do governo central. Por exemplo, o endividamento de governos regionais, ao expandir a demanda, pode pressionar um aumento nos preços e induzir que o governo central imponha políticas de demanda, que causem retraimento. Os custos dessas políticas, embora provocados por uma única região, são impostos a todas as outras.

Despesas de unidades subnacionais com o financiamento de dívidas

As políticas expansionárias financiadas por dívidas na província de Ontário podem ter induzido uma política de demanda mais restritiva por parte do governo federal canadense no final dos anos 80 e início dos anos 90 (Shah 1998). Na Nigéria, devido à ausência de limites para os estados quanto ao endividamento doméstico, a política de estabilização do governo central teve de contrabalançar o estímulo dado ao gasto estadual financiado pela dívida (Fundo Monetário Internacional 2001b).

As discussões sobre o acúmulo de dívidas nos sistemas federais se concentram, em geral, no endividamento subnacional. No entanto, o acúmulo de dívida do governo central pode, também, gerar externalidades negativas expressivas. Um governo central seriamente endividado é menos capaz de socorrer os governos subnacionais, mesmo que tenha se comprometido a fazê-lo. Além disso, à medida que a dívida do governo central acumula, a necessidade de fundos para financiar os pagamentos associados ao serviço da dívida pode levá-lo a fazer cortes nas transferências aos governos subnacionais. Um governo central mais gravemente endividado é, também, menos capaz de estabilizar as rendas regionais. Ademais, o acúmulo de dívida por parte do governo central aumenta o risco de monetização da dívida, na medida em que é ele que detém a autoridade monetária. Finalmente, os governos central e subnacionais, partilham, fundamentalmente, a mesma base tributária, através da qual eles cumprem os seus compromissos de dívida. É provável que todos esses fatores levem os financiadores a exigir um prêmio de risco mais alto, ao conceder empréstimos aos governos subnacionais, à medida que o governo central expande, efetivamente, sua dívida.3

3a PARTE: ESTÍMULOS AO ENDIVIDAMENTO SUBNACIONAL NAS FEDERAÇÕES

Algumas características das federações podem distorcer as decisões sobre a tomada de empréstimos e estimular o endividamento excessivo. Por exemplo, as políticas de socorro (bailout) podem incentivar que os governos subnacionais tomem empréstimos, por induzir os financiadores a exigir prêmios de risco menores que no caso de ausência de uma garantia. As garantias de dívida e os socorros (bailouts) periódicos podem, também, encorajar os financiadores a custear déficits insustentáveis dos governos subnacionais, como no Brasil, por exemplo (Fundo Monetário Internacional 2001a).

Os sistemas financeiros de algumas federações se caracterizam por relações próximas entre os governos subnacionais e instituições financeiras, algumas das quais pertencem aos mesmos. Em diversos casos, essa relação próxima facilita o endividamento insustentável por parte dos governos subnacionais, ameaçando a solvência das instituições financiadoras e exigindo a intervenção do banco central a fim de proteger a estabilidade do sistema financeiro.

Bancos Centrais são forçados a assumir os endividamentos subnacionais

No Brasil, por exemplo, os governos estaduais tomavam empréstimo pesados dos grandes bancos comerciais de sua propriedade. Depois, eles não pagavam, levando os bancos à insolvência e forçando o banco central a assumir as dívidas dos bancos a fim de evitar uma crise financeira que teria acontecido se os mesmos quebrassem (Wildasin 1997).

Segundo Ter-Minassian e Craig (1997), o crescimento da dívida subnacional é, com freqüência, resultado de planejamento inadequado dos acordos fiscais federais. Os governos centrais, especialmente, transferem, muitas vezes, responsabilidades de despesas pesadas às regiões sem transferir receita suficiente.4 Em alguns casos, esse desequilíbio precipita déficits estruturais e endividamento grande e insustentável.

Alguns aspectos dos sistemas de transferências intergovernamentais podem estimular o endividamento subnacional. Ter-Minassian e Craig (1997) sugerem que o crescimento da dívida subnacional resulta, com freqüência, de sistemas ad hoc de transferência, que surgem em resposta às necessidades financeiras ex-post (pós-determinadas) dos governos subnacionais. Esses tipos de transferências, ao recompensar governos endividados, oferecem um estímulo à acumulação de dívida e, efetivamente, penalizam os governos previdentes. Os cortes imprevistos nos pagamentos de transferências podem, também, levar a aumentos das dívidas dos governos subnacionais, que, muitas vezes, têm dificuldade em realizar cortes de despesa em resposta a reduções de transferências. Pagamentos de transferências futuros e os recursos advindos da partilha de receitas podem, também, ser utilizados como garantia adicional em empréstimos, permitindo que governos subnacionais mantenham programas de endividamento pesados, como na Argentina e no México.

Transferências federais a governos subnacionais endividados

Por exemplo, a Alemanha utilizou subvenções federais para reduzir as cargas de dívida de alguns Lander seriamente endividados, enquanto na Itália, no final dos anos 70, o governo central assumiu responsabilidade pelas dívidas dos municípios. Na década de 80, na Argentina, o governo central efetuou transferências arbitrárias a algumas províncias, principalmente, por motivos políticos, a fim de financiar os déficits dos governos subnacionais (Schwartz e Liuksila 1997). As transferências arbitrárias já foram utilizadas também na Rússia, no Brasil e na China, por exemplo.

Os governos centrais, muitas vezes, não consideram o efeito de suas políticas macroeconômicas nas finanças dos governos subnacionais, embora essas políticas possam exercer impacto considerável nos orçamentos subnacionais ao alterar o rendimento e as taxas reais de juros. Aumentos na taxa real de juros, resultantes das políticas anti-inflacionárias do governo central, constituíram um fator importante que contribuiu com a inadimplência de diversos estados brasileiros em meados dos anos 90 (Dillinger and Webb 1999).

Uma série de outras políticas estimulam o endividamento subnacional em outras federações. Nos Estados Unidos, o governo federal subsidia (e, assim, encoraja) o endividamento estadual e local ao isentar os juros nos instrumentos da dívida pública estadual e local de imposto de renda federal. Na Índia, o governo central concedeu empréstimos aos estados, com taxas abaixo do mercado e, assim, incentivou o acúmulo de dívida (Wildasin 1998). Na Argentina, as províncias puderam tomar empréstimos de bancos provinciais que, em seguida, redescontavam os empréstimos ao banco central, o que, efetivamente, fez com que as províncias tivessem acesso à senhoriagem (Dillinger and Webb 1999). Os bancos centrais também estabeleceram programas de poupança obrigatórios, dos quais os governos subnacionais podem, muitas vezes, tomar empréstimos com taxas reduzidas.

4a PARTE: MECANISMOS PARA O CONTROLE DO ENDIVIDAMENTO SUBNACIONAL

Ter-Minassian e Craig (1997) agrupam os métodos utilizados para controlar o endividamento dos governos subnacionais em quatro categorias gerais: disciplina de mercado, cooperação, controles baseados em regras e controle administrativo pelo governo central.

a) Disciplina de mercado

A disciplina de mercado utiliza o funcionamento livre do mercado para que o endividamento do governo subnacional restrinja a tomada de empréstimos pelo mesmo. À medida que um governo amplia a sua dívida, o mercado percebe o aumento do risco de inadimplência e, portanto, exige um taxa de juros que é mais alta que aquela cobrada de mutuários mais prudentes. Esses aumentos na taxa de juros constituem um estímulo para que os governos limitem o acúmulo da dívida5 Mesmo que eles não sejam um estímulo, os financiadores se recusarão, em um dado momento, a conceder mais empréstimos, quando o risco de inadimplência se tornar alto demais. Assim, a operação natural do mercado previne o endividamento insustentável.

Diversos pré-requisitos são necessários para que a disciplina de mercado possa impor limites à tomada de empréstimos (Lane 1993). Em primeiro lugar, é necessário que informações sobre as dívidas em aberto e a capacidade de pagamento dos governos subnacionais sejam disponibilizadas aos financiadores. Com freqüência, essas informações não estão disponíveis, em países em desenvolvimento, e, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, os governos mostram habilidade em disfarçar a verdadeira dimensão de suas obrigações.6 O pouco desenvolvimento do mercado da dívida de governos subnacionais, em muitos países, significa que informações sobre a rentabilidade de dívidas negociáveis e a classificação de crédito, sinais necessários para que a disciplina de mercado seja efetiva, também se encontram indisponíveis.

Segundo, para que as taxas de juros sejam reflexo do risco de concessão de empréstimos aos governos subnacionais, os mercados de capital devem operar livremente, sem regulamentos que incentivem o empréstimo aos mesmos.7 Além disso, os governos subnacionais devem, em geral, ser impedidos de tomar empréstimos do banco central ou de bancos de propriedade do governo, já que essas instituições, muitas vezes, não tomam decisões de concessão de empréstimos com base no mercado. Terceiro, deve haver concorrência suficiente nos mercados financeiros a fim de assegurar decisões prudentes por parte dos financiadores. Quarto, o sistema financeiro deve ter a capacidade de suportar a quebra de um financiador ou financiado importante (Bayoumi et al. 1995). Finalmente, os governos devem reagir aos sinais do mercado, o que pode não acontecer se eles têm um horizonte de curto prazo ou se a responsabilização na esfera política é fraca. Além das condições mencionadas acima, a disciplina de mercado requer, principalmente, uma política de não-socorro (no-bailout) que tenha credibilidade a fim de que os financiadores tenham um estímulo para impor disciplina aos financiados subnacionais.8 No entanto, pode ser difícil estabelecer credibilidade se financiadores e financiados acreditarem que o governo central não deixará que um governo subnacional se torne inadimplente, especialmente o governo de uma grande região.9 Se a regra de não socorro (no-bailout) não possuir credibilidade, os financiadores agirão com menos cautela e a disciplina de mercado será menos eficaz.

Além de pré-requisitos rigorosos, a disciplina de mercado não impõe ao financiado o custo da externalidade associado à tomada de empréstimo e, portanto, não produz o nível ideal de dívida, apenas um nível sustentável (Lane 1993). Ademais, como o caso canadense ilustra, a disciplina de mercado não impede que os governos acumulem grandes quantidades de dívida (a dívida provincial canadense se encontrava logo abaixo de 25 por cento do PIB em meados dos anos 90, um nível relativamente alto em países com controles mais diretos sobre o endividamento).

b) Cooperação

Dentro de um sistema de cooperação, os governos de uma federação decidem, conjuntamente, qual o nível de endividamento que cada membro federativo pode contratar. Em alguns casos, o governo central toma o empréstimo e encaminha os recursos obtidos às autoridades subnacionais, a fim de assegurar que o acordo sobre níveis de endividamento seja respeitado.10 As vantagens da abordagem cooperativa são: a possibilidade de coordenar o timing das emissões de dívidas e a possibilidade de levar em consideração as externalidades da dívida e as conseqüências macro de decisões sobres tomadas de empréstimo na determinação dos limites de endividamento subnacionais.

O sucesso da cooperação depende da disposição do governo em cooperar. Se não for possível obter um acordo, ou o sistema quebra, ou o governo central (ou uma grande região) impõe um acordo (centralizando, efetivamente, o processo de decisão). Um outro problema é que governos de pouca visão podem concordar com aumentos insustentáveis da dívida. Mesmo que a cooperação produza acordos com níveis prudentes de endividamento, como acontece com qualquer regra, os governos, muitas vezes, encontram forma criativas – em particular, a contabilidade extra-orçamentária – de se esquivar do limite acordado. Os estados australianos foram tão bons em evitar os limites que lhe haviam sido impostos que vários deles sofreram crises bastante graves no começo dos anos 90.c) Controles baseados em regras

Dois tipos de controles baseados em regras, contidos nas constituições ou leis dos governos nacionais e subnacionais, são utilizados para controlar o endividamento do governo. O primeiro tipo de regra impõe um limite às relações de dívida geral-PIB, de déficit-PIB ou de serviço da dívida. O segundo tipo de regra envolve proibições a certos tipos de endividamento, tais como: empréstimos tomados por governos subnacionais do exterior (Índia e Nigéria) ou em moeda estrangeira (México); do banco central (União Monetária Européia – UME) ou de bancos estaduais (Brasil); ou para cobrir despesas correntes. Embora alguns regulamentos definam procedimentos para tratar das violações, muitas vezes exigindo pagamento dentro do período de um ano, apenas a UME parece dispor de um mecanismo para multar os Estados membros, em certas circunstâncias, se eles excederem o limite de endividamento. Os regulamentos de maior êxito são transparentes e incluem um definição clara e detalhada de dívida, exigindo que se forneçam relatórios adequados sobre as obrigações e impondo limites rigorosos à utilização de dívida extra-orçamentária.

Há diversas vantagens relativas aos controles baseados em regras. Eles evitam que haja negociação entre governos e, se devidamente projetados, podem impor disciplina fiscal. Já que a observação de regras requer contabilidade adequada da dívida, a posição fiscal do governo fica clara tanto para os eleitores quanto para o mercado, o que pode restringir a demanda por mais serviços e promover a disciplina de mercado.11

Os controles de endividamento baseados em regras são assolados, porém, por diversas dificuldades. Não há critérios bem definidos que possam ser utilizados para determinar o limite de endividamento ideal. As regras podem, também, levar os governos a manter contas extensas de reservas, uma prática que pode ser menos eficiente que o endividamento períodico a fim de cobrir insuficiências de receita. As regras podem restringir a capacidade dos governos de suavizar o consumo e estimular comportamentos pró-cíclicos por parte dos governos subnacionais.

A inflexibilidade de compromissos de gasto de muitos governos subnacionais pode levar à realização de cortes, com base na flexibilidade em vez de eficiência. Além disso, os problemas de fluxo de caixa associados a restrições rigorosas ao endividamento podem afetar as operações do governo. As regras que restringem a tomada de empréstimo ao financiamento de investimentos requerem uma definição exata de investimento e podem desviar fundos para projetos que trazem um retorno menor que as despesas correntes. Se os governos subnacionais fornecem transferências aos governos locais, as regras que limitam o endividamento subnacional podem levar a cortes nessas transferências, deslocando, efetivamente qualquer desequilíbrio de recursos para o nível local. Se a regra não for detalhada, ela será ineficaz no controle do acúmulo de dívida e poderá induzir os governos a tomarem empréstimos através de canais mais caros. Finalmente, os governos têm se mostrado hábeis em encontrar maneiras de driblar a maioria das regras.

Regras para controlar empréstimos

Os métodos utilizados incluem pagamentos atrasados aos fornecedores, a tomada de empréstimo de intermediários financeiros de propriedade do estado ou por meio de empresas do governo, garantias de empréstimo a empresas privadas, empréstimos bancários a agências pseudo-governamentais que fornecem serviços aos governo, contratação de investimento público e acordos de venda e locação subseqüente . Note que a cidade de Nova York incorreu inadimplência nos anos 70, apesar de existir uma regra constitucional de orçamento-equilibrado (Lane 1993).

d) Controle administrativo do governo central

Em alguns países, a Constituição confere ao governo central o poder de controlar o endividamento dos govenos subnacionais. Os tipos de controle utilizados são parecidos com os controles baseados em regras, citados acima. As principais diferenças são: os controles administrativos do governo central se encontram, muitas vezes, sujeitos a mudanças (como resultado de pressão política ou para reforçar a política macroeconômica do governo central12); o governo central pode exigir aprovação antecipada de todas as tomadas de empréstimo do governo subnacional ou o governo central pode se encarregar de tomar os empréstimos e, então, distribuir os fundos emprestados aos governos subnacionais para fins aprovados por ele. Em vez de representar uma restrição objetiva, os controles do governo central podem variar em resposta à necessidade, habilidade de pagamento ou fatores políticos. Os controles administrativos de êxito operam rapidamente; são transparentes, fáceis de entender e monitorar; não são arbitrários; e facilitam o planejamento.

As vantagens do controle centralizado são: ele permite que a externalidade associada à tomada de empréstimos seja levada em consideração; ele pode coordenar as tomadas de empréstimo; ele pode integrar o endividamento subnacional à política macroeconômica nacional. Tendo em vista que os financiadores estrangeiros, muitas vezes, exigem uma garantia explícita da dívida do governo subnacional pelo governo central, o controle direto permite que o governo central delimite a dívida pela qual ele é, enfim, responsável.

A maioria dos problemas associados aos controles baseados em regras também se aplicam aos controles administrativos, embora haja problemas adicionais específicos a esse último tipo. A desvantagem principal do controle pelo governo central é que ele limita poder de tomada de decisão dos governos subnacionais, negando um dos benefícios mais importantes da descentralização e, possivelmente, retardando o desenvolvimento de um governo subnacional responsável. Além disso, a aprovação antecipada do endividamento e a intermediação centralizada envolve o governo central no monitoramento de decisões regionais de nível micro, o que é caro, podendo levar a atrasos, e se encontra além da capacidade muitos países em desenvolvimento. O controle administrativo das tomadas de empréstimo, muitas vezes, não é transparente ou previsível e pode fazer com que o planejamento do governo regional seja incerto e custoso. É possível, também que os controles administrativos sejam determinados mais por motivos políticos que por considerações econômicas. Além disso, os limites de endividamento que não estejam dispostos em leis rigorosas podem ser vistos pelos governos subnacionais como sendo negociáveis, fazendo com que eles ajam como se tais limites não fossem obrigatórios13 Por fim, ao envolver o governo central diretamente no processo de endividamento dos governos subnacionais, os controles administrativos podem ser vistos pelos financiadores como uma garantia implícita da dívida subnacional (Shah 1998).

5a PARTE: MELHORES PRÁTICAS

As evidências disponíveis indicam que o acúmulo de dívida pelo governo subnacional pode gerar externalidades, que características específicas das federações podem estimular o endividamento excessivo e que há deficiências significativas nos mecanismos geralmente utilizados para controlar a tomada de empréstimos dos governos subnacionais. No entanto, há algumas políticas que parecem reduzir a probabilidade de endividamento excessivo.

Considerando que a disciplina de mercado não considera as externalidades da dívida e que, na maioria dos países, or pré-requisitos para a disciplina de mercado não são sustentados, alguma forma de regulamentação das tomadas de empréstimo é necessária a fim de limitar o endividamento subnacional. Já que tanto a abordagem cooperativa quanto o controle administrativo pelo governo central se caracterizam por problemas que os tornam inviáveis ou indesejáveis na maior parte dos países, a abordagem baseada em regras para o controle da dívida dos governos subnacionais é, provavelmente, a mais eficaz.

Para que seja bem sucedida, toda regra deve incorporar uma definição clara e detalhada da dívida e descrever a reação exigida (e penalidade), caso um governo subnacional não a atenda. Para aumentar a probabilidade de êxito, assim como reduzir a possibilidade de inflação e imbuir disciplina de mercado, a regra deve proibir que os governos subnacionais tomem empréstimos do banco central ou de bancos estaduais.14 Em vários países em desenvolvimetno, isso exigirá a introdução simultânea de políticas para desenvolver um mercado para a dívida de governos subnacionais.

Embora seja menos provável que os governos subnacionais se tornem inadimplentes se seu endividamento for limitado por uma regra sobre o acúmulo de dívida, o governo deve, de qualquer forma, estabelecer uma política explícita de não-socorro (no-bailout). É possível essa política demore a obter credibilidade e os governos podem não ser capazes de evitar o socorro (bailout) em todas as situações. No entanto, o governo central deve assegurar que tal socorro vem acompanhado de custos consideráveis para o governo regional inadimplente e, como condição do socorro, deve especificar políticas para mitigar os fatores que levaram à inadimplência.

O sistema de transferências intergovernamentais deve ser modificado de modo a prevenir variações expressivas nas transferências e a eliminar as transferências arbitrárias. O governo central deve considerar, também, o impacto de sua política macroeconômica sobre os resultados financeiros dos governos subnacionais e a alterar outras políticas que subsidiam ou estimulam o endividamento subnacional.15

Em vários países em desenvolvimento, os governos subnacionais sofrem escassez de mão-de-obra habilitada na gestão de receitas e despesas públicos e uma causa importante do endividamento insustentável é a má gestão financeira, como no caso do Brasil (Ter-Minassian 1997). As melhoras na gestão financeira constituem, portanto, um ingrediente importante no controle do endividamento subnacional.

O controle da tomada de empréstimos por governos subnacionais, através de regras ou qualquer outro meio, fica inviável, se, como acontece em muitos países em desenvolvimento, as informações sobre as finanças dos governos subnacionais são indisponíveis, desatualizadas ou de má qualidade. Assim, é imprescindível que se melhore o acesso a essas informações. O relato adequado sobre as obrigações dos governos ajudaria, também, a reforçar a disciplina de mercado e a melhorar a prestação de contas por parte dos governos. Em muitos países em desenvolvimento, é mais provável que o problema do endividamento excessivo dos governos subnacionais seja produto de instituições políticas e responsabilização deficientes e não devido ao fato de ser ela uma característica própria de sistemas federais. As melhoras relativas à responsabilização dependem, fundamentalmente, da disponibilidade de informações sobre as finanças governamentais.

Referências

Bayoumi, T., M. Goldstein e G. Woglom (1995) “Do Credit Markets Discipline Sovereign Borrowers? Evidence from US States,” Journal of Money, Credit and Banking 27(4): 1046-1059.

Beetsma, R.M.W.J. e H. Uhlig (1999) “An Analysis of the Stability and Growth Pact,” Economic Journal 109: 546-571.

Capeci, J. (1991) “Credit Risk, Credit Ratings, and Municipal Bond Yields: A Panel Study,” National Tax Journal 44: 41-56.

——— (1994) “Local Fiscal Policies, Default Risk, and Municipal Borrowing Costs,” Journal of Public Economics 53: 73-89.

Craig, J. (1997) “Australia,” em T. Ter-Minassian, ed., Fiscal Federalism in Theory and Practice (Washington, DC: Fundo Monetário Internacional).

Dillinger, W. e S. B. Webb (1999) “Fiscal Management in Federal Democracies: Argentina and Brazil,” Working Paper #2121, Banco Mundial, Washington, DC.

Giugale, M., A. Korobow e S. Webb (2000) “A New Model for Market-Based Regulation of Subnational Borrowing: The Mexican Approach,” Working Paper #2370, Banco Mundial, Washington, DC.

Fundo Monetário Internacional (2001a) “Brazil: Selected Issues and Statistical Appendix,” IMF Country Report No. 01/10, Fundo Monetário Internacional, Washington, DC.

——— (2001b) “Nigeria: Selected Issues and Statistical Appendix,” IMF Country Report No. 01/132, Fundo Monetário Internacional, Washington, DC.

Landon, S. e C. E. Smith (2000) “Government Debt Spillovers and Creditworthiness in a Federation,” Canadian Journal of Economics 33(3): 634-661.

Lane, T. D. (1993) “Market Discipline,” IMF Staff Papers 40(1): 53-88.

Metcalf, G. E. (1993) “Federal Taxation and the Supply of State Debt,” Journal of Public Economics 51: 269-285.

Poterba, J. M. (1994) “State Responses to Fiscal Crises: The Effects of Budgetary Institutions and Politics,” Journal of Political Economy 102(4): 799-821.

Potter, B. (1997) “Budgetary and Financial Management,” em T. Ter-Minassian, ed., Fiscal Federalism in Theory and Practice (Washington, DC: Fundo Monetário Internacional).

Schwartz, G. e C. Liuksila (1997) “Argentina” em T. Ter-Minassian, ed., Fiscal Federalism in Theory and Practice (Washington, DC: Fundo Monetário Internacional).

Shah, A. (1998) “Fiscal Federalism and Macroeconomic Governance: For Better or For Worse?” Working Paper #2005, Banco Mundial, Washington, DC.

Ter-Minassian, T. (1997) “Brazil,” em T. Ter-Minassian, ed., Fiscal Federalism in Theory and Practice (Washington, DC: Fundo Monetário Internacional).

——— e J. Craig (1997) “Control of Subnational Government Borrowing,” em T. Ter-Minassian, ed., Fiscal Federalism in Theory and Practice (Washington, DC: Fundo Monetário Internacional).

Wildasin, D. (1997) “Externalities and Bailouts: Hard and Soft Budget Constraints em Intergovernmental Fiscal Relations,” Working Paper #1843, Banco Mundial, Washington, DC.

——— (1998) “Fiscal Aspects of Evolving Federations: Issues for Policy and Research,” Working Paper #1884, Banco Mundial, Washington, DC.

__________

1. Veja Ter-Minassian e Craig (1997) e Landon e Smith (2000) para discussão mais detalhada.

2. Como quando o governo brasileiro socorreu o estado de Minas Gerais em 1999 (Giugale et al. 2000).

3. Há pouca literatura empírica, que busca verificar a existência de externalidades da dívida nas federações. Embora Capeci(1991) não encontre qualquer evidência de externalidades da dívida, ao utilizar dados dos municípios americanos, Landon e Smith (2000) encontram efeitos de transbordamento negativos, mas pequenos, entre as províncias canadenses, com exceção da tomada de empréstimo pela maior província. Landon e Smith (2000) encontram, também, evidência , de que o crescimento da dívida do governo federal canadense tem um efeito negativo forte na capacidade de obter crédito das províncias.

4. Esse problema afligiu os estados no Brasil (Fundo Monetário Internacional 2001a).

5. Embora haja evidência considerável que indique que as taxas de juros dependem dos níveis de dívida (Bayoumi et al. 1995), Lane (1993) sugere que não há evidência convincente de que os governos reduzam o endividamento em resposta a aumentos nas taxas de juros. Entretanto, pesquisas no mercado de títulos dos estados e municípios americanos demonstraram que a oferta de títulos é sensível ao juros. (Capeci 1994, Metcalf 1993).

6. Embora os estados da Nigeria possam tomar empréstimos sem limites de bancos domésticos e fontes não bancárias, não há informações detalhadas que sejam confiáveis sobre os níveis de dívida dos estados nigerianos (Fundo Monetário Internacional 2001b).

7. Esses incluiriam regras exigindo que os intermediários financeiros mantivessem uma certa porção de seus ativos em forma de títulos do governo ou programas de poupança obrigatória que são forçados a investir em bens do governo.

8. Na Argentina, socorros (bailouts) anteriores passaram para os financiadores a impressão de que o governo central não deixaria as províncias se tornarem inadimplentes (Shah 1998). Impressão parecida foi dada pelos socorros (bailouts) do governo central, no Brazil. No México, os estados e bancos passaram a contar com socorros (bailouts) federais, já que muitos haviam ocorrido, e os estados viam esses socorros (bailouts) como uma forma de extrair fundos do governo central (Giugale et al. 2000).

9. O tamanho da dívida do estado de São Paulo fez com que o governo Brasileiro não estivesse disposto a deixá-lo incorrer em inadimplência, já que ela ameaçaria a estabilidade de todo o sistema financeiro (Dillinger and Webb 1999). Giugale et al. (2000) sugerem que as externalidades associadas à inadimplência, o impacto sobre a classificação de crédito de todos os governos de uma federação e o risco para o sistema financeiro tornam o socorro (bailout) inevitável, em muitos casos.

10. A Austrália é o exemplo mais citado de país que utilizou essa abordagem. Veja Craig (1997) para obter mais detalhes.

11. Poterba (1994) fornece dados empíricos que mostram que os estados americanos com regras constitucionais ou estatutárias mais rígida ajustam os seus gastos, mais rapidamente que outros estados, a choques na receita.

12. Nas federações, o limite de endividamento pode se r um instrumento importante de gestão macroeconômica (Potter 1997).

13. Na China, o banco central impões limites de crédito às províncias no começo do ano, mas eles são, muitas vezes, modificados e aumentados durante o ano, sob a pressão das autoridades locais (Shah 1998).

14. O Brasil assim fez, ao passar uma lei que impede que os estados tomem empréstimo de seus próprios bancos.

15. Várias dessas políticas foram introduzidas no México (Giugale et al. 2000). O governo mexicano impôs uma regra de não-socorro (no-bailout), renunciou o uso de transferências arbitrárias e vinculou a classificação de risco de crédito dos bancos à vulnerabilidade do governo subnacional a dívidas, e à classificação de crédito dos governos subnacionais.