INTRODUÇÃO

Paul Boothe

[Do livro, Gestão fiscal nas federações, Paul Boothe, ed. Ottawa: Fórum das Federações, 2003]

A presente coletânea compreende quatro ensaios, nos quais analisa-se a literatura relevante e discutem-se as melhores práticas em quatro áreas importantes da gestão fiscal nas federações. O primeiro ensaio examina como as federações lidam com os desequilíbrios entre responsabilidades de gastos e capacidade de arrecadação de receitas em dois contextos – entre os governos nacional e regional e entre os governos regionais. O segundo ensaio analisa os processos para o ajuste dos metódos de tratamento desses desequilíbrios, como condições na mudança da federação. Ambos esses ensaios focalizam a experiência de duas federações em estágio de maturidade: a Austrália e o Canadá, que possuem uma longa história e experiência considerável em relação a essas questões.

O terceiro ensaio da coletânea trata de questões relativas à gestão de políticas de estabilização macroeconômica nas federações. Complementando essa análise, o quarto ensaio se concentra em tópicos especificamente relacionados às políticas de empréstimo e dívida dos governos nas federações. Ambos os ensaios examinam federações em desenvolvimento – particularmente, o México e o Brasil – a fim de fundamentar a discussão em experiências reais.

Esses ensaios foram encomendados pelo Forum of Federations (Fórum das Federações). O Institute for Public Economics at the University of Alberta (Instituto de Economia Pública da Universidade de Alberta) tem o prazer de colaborar com o Fórum, fornecendo aos praticantes das federações emergentes o nosso entendimento atual sobre as melhores práticas de gestão fiscal nos Estados federais.

LIÇÕES CHAVE PARA OS CRIADORES DE POLÍTICAS

Lidando com desequilíbrios fiscais

A divisão quanto às responsabilidades de gastos e receitas nas federações é estabelecida, principalmente, em suas constituições – modificadas por convenção e pelo histórico de interpretação jurídica. As federações bem-sucedidas podem operar com distribuições bem diferentes dessas responsabilidades, variando da alta centralização à alta estabilidade. Se as divisões de responsabilidades de gastos e de receitas não são equiparadas, um desequilíbrio fiscal vertical passará a existir. As transferências intergovernamentais são a forma de lidar com tais desequilíbrios. Essas transferências podem ser condicionais ou incondicionais. Naquelas federações onde grande parte das responsabilidades de gastos é atribuída aos governos regionais, essas transferências são, freqüentemente, incondicionais.

As transferências intergovernamentais também são utilizadas para lidar com os desequilíbrios entre as regiões. [Essas transferências podem ser baseadas na capacidade de arrecadação de receitas, na necessidade de gastos ou ambas. Uma característica dessas transferências é se elas são feitas dentro de um esquema bruto ou líquido. Em esquemas brutos (como o do Canadá), as transferências não são auto-limitadoras. Muitas vezes, os governos nacionais atrelam condições adicionais e ad hoc a esses esquemas a fim de reduzir o risco fiscal.

O ajuste a condições mutáveis

A necessidade de ajustar, periodicamente, as relações entre os governos é comum a todas as federações. Os processos de ajuste dessas relações fiscais variam bastante. Em sistemas parlamentaristas, eles tendem a se basear no “federalismo executivo”, fundamentado na negociação intergovernamental. O processo de obtenção de acordos relativos aos ajustes das relações fiscais pode ser formal ou informal. Por exemplo, enquanto a Austrália usa mecanismos formais (o Loan Council -Conselho de Empréstimo, a Commonwealth Grants Commission - Comissão de Subvenções da Commonwealth e o Council of Australian Governments - Conselho dos Governos Australianos), no Canadá, o processo se dá, praticamente, através de reuniões informais entre autoridades, ministros de finanças e premiers.

Essas abordagens distintas resultam de diferenças na estrutura de governo (isto é, a ausência de um Senado eleito regionalmente no Canadá), do grau de diferenças étnicas e culturais entre as regiões (o uso da língua francesa na província de Quebec em contraste com o uso do inglês em outras províncias) e dos valores que predominam nessas sociedades (eqüidade regional na Austrália em contraste à autonomia regional no Canadá).

Gestão Macroeconômica

O objetivo de longo prazo das autoridades fiscais deve ser o de fornecer o nível esperado de serviços públicos e infraestrutura dentro de um modelo fiscal sustentável, no qual os orçamentos de todos os níveis de governo se encontrem equilibrados no meio termo. A gestão fiscal é mais complexa nos Estados federais devido à interdependência das finanças dos governos nacionais e subnacionais, resultante do compartilhamento de receitas e de responsabilidades de gastos.

A perspectiva de uma política fiscal sustentável melhora quando cada nível de governo: 1) tem suas responsabilidades de despesas claramente demarcadas; 2) possui acesso a receita considerável de fonte própria, que seja independente de transferências; 3) toma empréstimos sem apoio ou garantia de outro nível de governo. A evidência fornecida pela Argentina, Brasil e México sugere que esses três fatores são indicadores importantes para o sucesso das federações emergentes na obtenção de posições fiscais sustentáveis.

A atribuição da responsabilidade primária pela estabilização da economia face às flutuações macroeconômicas pode ser dada ao governo nacional ou aos governos subnacionais. A atribuição ideal vai depender do caráter nacional ou estritamente regional das flutuações macroeconômicas. Para uma estabilização eficaz dos choques regionais, os governos subnacionais precisam ter acesso a fontes de receitas que sejam sensíveis a condições econômicas, a fim de que estabilizadores automáticos possam entrar em ação.

Gestão da dívida

A contratação de empréstimos pelos governos regionais pode produzir efeitos significativos sobre as outras regiões ou sobre o governo nacional. Esses efeitos podem acarretar aumento nas taxas de juros, impactos sobre a capacidade de obtenção de empréstimos, e pressão para monetizar a dívida, aumentando, assim, as taxas de inflação. Em nível operacional, os empréstimos realizados de forma não coordenada podem levar a restrições de crédito se grandes emissões ocorrerem no mercado, em espaço relativamente curto de tempo. A obtenção de grandes empréstimos pelos governos nacionais pode produzir efeitos parecidos nas regiões.

Há três abordagens gerais para a coordenação de gestão de dívida nas federações: a abordagem cooperativa, o controle administrativo pelo governo nacional e a abordagem baseada em regras rigorosas. A experiência relativa às federações emergentes demonstra que a abordagem baseada em regras é a que melhor funciona. Um pré-requisito chave para o sucesso da gestão da dívida nas federações é a existência de informações oportunas e confiáveis sobre o estado de finanças dos governos nacionais e regionais.

A abordagem baseada em regras precisa incluir uma definição detalhada e clara sobre a dívida, determinar a reação exigida e a penalidade pelo não cumprimento, e proibir que os governos regionais tomem empréstimos junto ao banco central ou a bancos estaduais, prevenindo, assim, efeitos inflacionários. Devem-se encorajar políticas de não-socorro (no bailout) de credibilidade pelo governo nacional e projetar sistemas de transferências de forma a aumentar o nível de previsibilidade e estabilidade para os governos regionais.

Concluindo, esperamos que esses ensaios ofereçam aos praticantes das federações emergentes uma orientação útil em relação às melhores práticas de gestão fiscal nos Estados federais. O diálogo contínuo entre os praticantes e os pesquisadores acadêmicos é um ponto forte importante da federação canadense. Recebemos, com alegria, oportunidades de interagir com as federações emergentes dos praticantes e pesquisadores do federalismo.