RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

NO BRASIL: DESENVOLVIMENTOS RECENTES E PERSPECTIVAS

Valeriano Mendes Ferreira Costa

INTRODUÇÃO

O Brasil é um dos maiores países do mundo. É também um dos maiores estados federais, atrás somente da Índia e dos Estados Unidos em termos de população, e menor apenas que a União Soviética e o Canadá em termos de território. É também o país onde o federalismo é menos estudado e compreendido.

Embora seja uma federação bem homogênea dos pontos-de-vista lingüístico, étnico e cultural, o Brasil é marcado por uma grande disparidade na distribuição de terra e população entre seus 27 estados. O principal problema que o federalismo brasileiro enfrenta é a enorme disparidade econômica e fiscal entre os estados e a desigual distribuição de renda entre os habitantes dos estados.

O resultado disto é uma complexa estratificação dos estados em termos de importância econômica e demográfica. São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro estão no grupo de elite. A Bahia fica sozinha, como o único estado grande, populoso e pobre. Há um grupo emergente de estados com grandes territórios, populações médias e crescente peso econômico, localizados na região Centro-Oeste. Há outro grupo de estados com grandes territórios, pequenas populações e pequeno peso econômico, na região Norte. O último grupo de estados é o de estados nordestinos, com territórios relativamente pequenos e que são mais densamente povoados que os dois grupos anteriores, mas que também são extremamente pobres. Esta heterogeneidade está refletida na força política dos estados dentro da federação, e é uma das razões para o baixo grau de institucionalização das relações intergovernamentais no Brasil.

A dinâmica das relações intergovernamentais no Brasil pode ser melhor entendida com o pano de fundo de algumas peculiaridades históricas do federalismo brasileiro. Em primeiro lugar, o Brasil é uma federação relativamente velha (1889), contemporânea com a do Canadá (1867) e da Austrália (1901), e, como estes dois países, anteriormente uma monarquia. Mas o movimento federalista brasileiro só ganhou um grau de importância política porque se tornou associado com o peculiar republicanismo das elites provinciais que formaram a base do que poderia ser chamado “federalismo oligárquico” que substituiu a monarquia constitucional.

Acaracterística principal dessa primeira fase do federalismo brasileiro era a grande autonomia política e fiscal dos estados, dominados por elites latifundiárias sustentadas pela exportação de produtos agrícolas. O equilíbrio político da federação dependeu de um jogo complexo de coalizões entre os estados mais poderosos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que lutavam pelo controle do governo federal, e os estados intermediários, como Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Este último grupo dependia destas alianças estratégicas para ter qualquer influência política.

Ao longo do século XX, o federalismo brasileiro e suas relações intergovernamentais foram marcados pela oscilação entre regimes autoritários, centralizadores, e regimes liberais descentralizados. Este movimento pendular pode ser entendido como o resultado de dois processos simultâneos. O primeiro é a notável força política e fiscal da União (governo federal) em relação aos governos dos estados mais poderosos, embora estes continuem a ser os personagens centrais na política nacional. O segundo é o crescimento da competição política nacional, que não foi acompanhado pela institucionalização das relações intergovernamentais que definiriam claramente as regras do jogo federal. Assim, a força política de cada estado sempre dependeu da habilidade de suas elites políticas em formar alianças com outras forças estaduais e protagonistas nacionais na esfera federal.

O resultado mais importante deste processo é que a democratização que transformou o país nos últimos vinte anos ainda não teve um grande impacto nas relações intergovernamentais, que permanecem um jogo de elites políticas estaduais que são contra ou a favor do governo federal. Além disso, esta dinâmica política continua sendo fortemente centralizada nas mãos do Presidente da República, que ainda é a mais importante figura política na federação, e dos governadores estaduais. A força dos governadores estaduais depende tanto do poder econômico de seus estados como do peso da representação parlamentar ao nível federal.

Durante épocas de fortalecimento político e econômico do governo federal, houve um processo de centralização política, fiscal e administrativa (1930-1945 e 1964-1985). Em períodos de poder central enfraquecido, os estados iniciaram um processo de descentralização política e fiscal, mas não necessariamente administrativa. O processo de descentralização foi acompanhado pela tomada das receitas de impostos da União que pode ser descrita como “predatória” (1902-1926; 1985-1993).

A grande mudança começou no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), com a quebra, pelo menos em parte, do padrão das relações intergovernamentais. De fato, o fortalecimento da União não reverteu, mas sim intensificou o processo de descentralização política, administrativa e fiscal. Ao mesmo tempo, no entanto, ele levou à concentração da receita tributária nos cofres da União, devido ao forte ajuste fiscal que Fernando Henrique Cardoso iniciou em 1994, enquanto Ministro da Fazenda do Presidente Itamar Franco.

Entretanto, a cena atual das relações intergovernamentais no Brasil se tornou mais complexa e incerta, devido à magnitude das mudanças econômicas e político-institucionais dos anos 90. Neste texto, descreverei as bases constitucionais (Parte 1) e políticas (Parte 2) do federalismo no Brasil; e, por último (Parte 3), descreverei os padrões dominantes nas relações intergovernamentais e seus impactos nas políticas públicas.

PARTE 1: Princípios constitucionais do federalismo

brasileiro e seus impactos sobre as relações

intergovernamentais nos anos 90

Para entender a intensa descentralização política e administrativa por qual o Brasil passou nos últimos vinte anos, temos que ter em mente os processos econômicos e políticos que conduziram à crise na ditadura militar (1964-1985), resultando na Assembléia Constituinte (1987-1988) que levou à Constituição de 1988. As principais características da atual Carta Constitucional são sua forte ênfase nos direitos civis, políticos e sociais, e uma grande reestruturação do regime fiscal que resultou em uma significativa descentralização fiscal.

A crise no regime militar, juntamente com a crise fiscal do governo, fortaleceu bastante os governadores estaduais, que foram eleitos democraticamente em 1982 e 1986, enquanto o Presidente da República, escolhido por um Colégio Eleitoral em 1985, teve dificuldade em legitimar seu mandato. A agenda da reforma constitucional, no entanto, foi em grande parte controlada por forças políticas regionais.

Apesar de sua força política, os estados não mostraram nenhum interesse em redefinir as esferas de jurisdição dos diferentes níveis de governo. A principal preocupação deles foi a de garantir autonomia fiscal, especialmente quanto ao principal imposto, o ICMS (um imposto estadual sobre valor agregado), e expandir e consolidar o sistema de transferências de impostos do governo federal para os estados e municípios.

Assim, enquanto a definição das esferas de jurisdição políticoadministrativa continuou sendo bastante genérica e flexível, de forma que

o federalismo brasileiro pode ser caracterizado, pelo menos de acordo com seus princípios constitucionais, como cooperativo (ver artigos 20 a 25, especialmente 23), a ampla redistribuição de receita de impostos fez do Brasil um das federações mais descentralizadas do mundo (ver Título VI, especialmente os artigos 153 a 159).

Alguns números sobre gastos ao nível de governo servirão para ilustrar esta característica marcante do federalismo brasileiro. As despesas pelos governos subnacionais, depois das transferências constitucionais de imposto, respondem por 62% dos gastos totais na administração civil, 71% das despesas atuais (exceto folha de pagamento de pessoal) e 78% de investimentos fixos. Por outro lado, o governo federal responde por 80% dos gastos em previdência social e outras transferências para indivíduos, e por 90% do pagamento de juros sobre a dívida interna.

Do ponto de vista das relações intergovernamentais, a nova estrutura constitucional de federalismo teve resultados ambivalentes. Garantiu para os estados mais ricos um grau bastante alto de autonomia, enquanto os estados mais pobres ainda são muito dependentes de transferências voluntárias de receita da União. Ao mesmo tempo, deixou como pano de fundo dois assuntos centrais para a construção de um sistema federal equilibrado: mecanismos flexíveis e eficazes para a equalização fiscal; e restrições e incentivos legais para a cooperação vertical e horizontal entre os níveis de governo (federal, estadual e municipal). Vejamos como este sistema constitucional opera na prática, quer dizer, como interage com o sistema político e partidário brasileiro, como emergiu nos anos 80.

PARTE 2: Estruturas políticas e processos que afetam a operação eficaz do federalismo no Brasil

A República Federativa do Brasil é composta do governo federal (“a União”), 27 estados, o Distrito Federal e mais de 5.500 municípios, que

também são considerados entidades federadas com poderes jurisdicionais definidos pela Constituição. O sistema político brasileiro tem duas características principais:

1) Um sistema presidencial, em que um presidente, eleito em
dois turnos de votação, com um mandato direto do povo,
precisa buscar apoio de um Congresso bicameral com
poderes simétricos para a Câmara de Deputados e o Senado,
com um sistema multipartidário e estadual, e um forte e
independente Supremo Tribunal; e
2) um sistema federal que reflete o sistema presidencial nos
níveis estadual e municipal (mas sem o bicameralismo e sem
o judiciário municipal), e isso garante uma boa autonomia
constitucional às entidades federadas.

A combinação de um presidencialismo estilo coalizão – em que um presidente eleito depende enormemente do apoio da maioria no congresso para governar efetivamente - e um sistema federal bastante heterogêneo e dinâmico resulta em um regime político bastante complexo. A capacidade de o governo federal cumprir seu papel como coordenador de relações intergovernamentais depende de vários fatores econômicos e políticos.

O primeiro e mais importante fator é a força política do Presidente para reunir sua coalizão de governo no Congresso. É necessária uma complexa manobra política, dependendo da distribuição de milhares de cargos executivos (atualmente, quase 19.000 só na administração direta) preenchidos pelo Presidente e, por delegação dele, pelos ministros de estado.

Para formar uma coalizão, o Presidente deve satisfazer dois imperativos que nem sempre são mutuamente compatíveis. Em primeiro lugar, os grupos dominantes nos principais partidos da coalizão devem estar representados. Em segundo lugar, um certo equilíbrio de força deve ser mantido na esfera federal. O truque é equilibrar os interesses dos estados e dos partidos, sem criar uma colcha de retalhos político-administrativa.

Um dos mais importantes recursos políticos do Presidente para reunir uma coalizão administrativa é o poder de designar parlamentares a cargos do governo sem que precisem deixar sua posição parlamentar. A eficácia deste poder de nomeação depende da capacidade fiscal do governo federal. Nos primeiros dez anos do regime democrático atual (1985-1994), os três presidentes não tiveram recursos suficientes para distribuir devido à crise fiscal do governo. Assim, eles se tornaram reféns virtuais das forças políticas dos estados. Estas, lideradas por seus governadores, conseguiram passar o custo do ajuste fiscal à União, causando assim uma altíssima elevação na dívida pública federal.

Esta dinâmica intergovernamental predatória só foi revertida com o sucesso do chamado Plano Real, que quebrou a inércia inflacionária que bloqueava qualquer ajuste fiscal duradouro. O impacto da estabilização monetária nas finanças dos estados foi um dos principais motivos para o enfraquecimento dos estados em relação ao governo federal. Até este ponto, os governadores usavam o mecanismo inflacionário para desvalorizar suas despesas, principalmente a folha de pagamento dos servidores públicos, enquanto suas receitas de imposto eram indexadas. A partir de 1995, quando ficou claro que a inflação não ressurgiria no futuro próximo, as administrações estaduais se tornaram vítimas do próprio estratagema. Este foi um dos motivos principais para o sucesso político do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Outra característica importante do sistema político que afeta as relações intergovernamentais é a excessiva representação dos estados menos populosos na Câmara dos Deputados, combinada com representação igual no Senado (três senadores por estado). Como a Constituição, apesar de garantir representação proporcional na Câmara, estabelece um mínimo de 8 e um máximo de 70 deputados por unidade federada, os estados mais populosos - especialmente o maior deles, São Paulo - são subrepresentados. Considerando que o Senado tem poderes aproximadamente paralelos aos da Câmara e sua representação é ainda mais distorcida em termos de distribuição da população nacional, é fácil formar coalizões no Congresso para bloquear uma reforma constitucional que poderia corrigir os desequilíbrios políticos na federação.

Até mesmo presidentes fortes, como Fernando Henrique Cardoso, encontraram muita dificuldade para mudar ou atenuar algumas características da estrutura política e administrativa que têm um impacto negativo nas relações intergovernamentais, como o sistema constitucional de transferências de imposto e o próprio regime fiscal bastante ineficiente e regressivo (ambos definidos em todos os detalhes na Constituição).

O sistema eleitoral também tem um grande impacto no jogo de forças dentro da federação. Ele combina representação proporcional de lista aberta – o que permite aos eleitores escolher qualquer nome da lista do partido, sem o controle da liderança do partido – com distritos correspondentes ao território geográfico dos estados. Este sistema reduz a capacidade da liderança do partido de controlar seus membros. O sistema eleitoral também permite aos governadores estaduais pressionar os deputados federais, uma vez que eles podem aumentar ou diminuir as chances de sucesso dos deputados em suas carreiras políticas, não só no legislativo, mas também no nível executivo estadual, pela distribuição de cargos públicos. A estrutura dos sistemas eleitoral e partidário aumenta a força centrífuga exercida nas relações intergovernamentais, já que recompensa parlamentares individualistas e oportunistas nas três ordens de governo.

Finalmente, o papel do Supremo Tribunal na solução de disputas entre componentes da federação é um fato novo que até agora foi pouco estudado. A tradição legalista de justiça no Brasil sempre foi um freio para o papel político do Supremo Tribunal como intérprete da Constituição. Além de interpretar a Constituição, o Supremo Tribunal também age como tribunal de apelação final em todos os tipos de disputas legais. Isto significa que suas onze justiças têm que julgar dezenas de milhares de casos por ano. Como resultado, a pesada carga de trabalho limita consideravelmente a capacidade e vontade de se ocupar de longas batalhas legais acerca de princípios constitucionais. Embora seja verdade que o Supremo Tribunal tenha sido chamado por governos de estado e municípios com alguma freqüência para resolver algumas disputas jurisdicionais e legais, principalmente contra o governo federal, até hoje nenhum grande conflito constitucional decidido pelo Supremo Tribunal teve qualquer influência nos funcionamentos do federalismo, como acontece com o Supremo Tribunal dos Estados Unidos.

Em resumo, o regime político brasileiro combina características plebiscitárias, típicas de governos presidenciais latino-americanos, com características consociáveis, próprias a alguns sistemas parlamentares europeus. Curiosamente, nenhum pilar do sistema pode sustentar o regime por si só. A nova característica do federalismo brasileiro é que já não é caracterizado por suas oscilações anteriores entre centralização e descentralização, mas depende de um equilíbrio, embora precário, entre os processos mencionados acima.

A seguir, veremos que influência esta dinâmica política tem sobre as relações intergovernamentais.

PARTE 3: A prática de relações intergovernamentais nos anos 90

Uma característica importante do federalismo brasileiro é que as jurisdições e a distribuição de recursos entre a União, os estados e municípios tendem a ser escritas em detalhes na Constituição. As regras operacionais e as regras das instituições políticas e administrativas que deveriam ser responsáveis por coordenar ou promover a cooperação intergovernamental são deixadas de maneira completamente informal.

A única instituição criada para coordenar ações intergovernamentais é o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Criado durante o regime militar para coordenar as políticas fiscal e tributária dos estados, hoje executa funções puramente formais.

No Brasil há uma total falta de coordenação intergovernamental nas esferas fiscal e tributária. Um dos grandes problemas do federalismo brasileiro é a intensa guerra fiscal entre a maioria dos estados (menos São Paulo) para investimento industrial de larga escala, especialmente na indústria automotiva. A grande arma da guerra fiscal é a isenção do ICMS,

o principal imposto sobre valor agregado (respondendo por 25% das receitas de imposto do país), cuja cobrança e valor são controlados na prática pelos governos de estado.

A falta de estruturas institucionais ou administrativas projetadas para coordenar políticas públicas, juntamente com a tendência para cooperação horizontal ou vertical entre as ordens de governo, resultou em um padrão de colcha de retalhos das relações intergovernamentais.

Há duas abordagens predominantes nas várias áreas que pedem ação coordenada ou cooperativa da parte dos diferentes níveis de governo. Em áreas como educação, saúde e administração fiscal, que o governo federal atual fez suas prioridades, a abordagem predominante poderia ser chamada de coordenação compartimentada, através de Leis Complementares cujo propósito é detalhar os princípios colocados na Constituição.

Por exemplo, na área de educação, na qual os estados e municípios têm ampla autonomia constitucional, o governo federal aprovou uma Lei Complementar estabelecendo a criação de um Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF). Isto exige que os governos estaduais e municipais transfiram 15% de suas receitas tributárias (incluindo as transferências) para o Fundo, que então redistribui as receitas de acordo com o censo escolar anual que mostra quantos alunos estão em cada unidade da federação.

O impacto do FUNDEF no sistema de ensino brasileiro ainda não foi completamente avaliado, mas seu impacto nas finanças estaduais e municipais pelo país tem sido enorme. Basta dizer que, no estado de São Paulo, o estado mais rico da federação, houve uma transferência líquida de cerca de R$ 600 milhões dos governos municipais para o governo do estado, que sempre cumpriu um papel maior na política de educação que os municípios naquele estado. O oposto aconteceu no estado de Rio de Janeiro, onde o governo teve que transferir cerca de R$ 400 milhões para os municípios. Apesar do consenso sobre a necessidade de alguma ação para reparar os desequilíbrios no fundo nacional de ensino público, a transferência linear e padronizada de recursos entre os governos, sem conhecimento do que exatamente está acontecendo em cada unidade da federação, não parece ser um modelo ideal para política de redistribuição, exceto como último recurso.

Em 2000, o governo federal aprovou a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que regula estritamente o uso da receita fiscal por governos subnacionais e impõe restrições legais pesadas, incluindo-se penalidades criminais, por endividamentos de governos estaduais e municipais. De acordo com avaliações iniciais, a maioria dos governos conseguiu se ajustar aos rigores da lei, mas há freqüentes pedidos de prefeitos municipais por mudanças nas regras da LRF.

O caso de saúde é o mais velho e mais bem sucedido, precisamente porque foi negociado longamente no decorrer dos anos 80 e 90. O ponto mais importante no processo veio durante o anteprojeto da Constituição, com a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do qual cada unidade da federação participa voluntariamente na descentralização de recursos federais para a saúde, gradualmente assumindo a administração dos serviços de hospital e assistência médica. O grande desafio enfrentado pelo SUS é o de encorajar os milhares de municípios de tamanho pequeno e médio a cooperar na montagem de consórcios de saúde que sejam capazes de administrar sistemas mais complexos, reduzindo assim a pressão sobre os sobrecarregados e ineficientes sistemas públicos federal e estaduais. O problema aqui é a falta de incentivos legais e fiscais para encorajar os municípios a cooperar sistemática e continuamente na construção de redes de saúde regionais.

Os três casos mencionados acima são considerados exemplos bem sucedidos da ação intergovernamental coordenada iniciada pelo governo federal. Em nenhum deles há qualquer preocupação com a autonomia ou sensibilidade das políticas com respeito às grandes diferenças econômicas, sociais ou fiscais entre os governos subnacionais. Em todos eles, o segredo para o sucesso foi a capacidade do governo federal convencer sua ampla coalizão parlamentar da necessidade de resolver sérios e complexos problemas sociais, ao mesmo tempo em que rompia coalizões que pudessem bloquear a aprovação destas leis.

Em outros casos que são igualmente ou mais importantes - tal como a criação de um sistema de equalização fiscal mais flexível e mais sensível às complexas disparidades regionais e sociais do país, ou reforma fiscal, que é essencial para levar a economia brasileira ao processo de integração regional (especialmente o FTAA) - o governo enfrentou enormes dificuldades precisamente por causa da formação de coalizões de veto.

Uma conclusão sobre a dinâmica de relações intergovernamentais no Brasil, porém, não deve ser completamente pessimista. Houve muito progresso, especialmente na esfera local, onde o aparecimento de uma sociedade civil mais ativa ajudou a fortalecer a democracia, não só nas relações entre governos e cidadãos, mas também nas relações entre governos.

VALERIANO MENDES FERREIRA COSTA é professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas. Ele faz pesquisa sobre a relação entre o federalismo e políticas públicas no Brasil. Recentemente, junto com o Professor Fernando Abrúcio (FGV-SP), escreveu o livro Reforma do Estado no Contexto Federativo Brasileiro, Fundação Konrad-Adenauer, São Paulo, 1998.