CONCLUSÃO

Richard Simeon

INTRODUÇÃO

Os oito países representados nesta edição refletem a enorme variedade e diversidade existente nos sistemas federais. Eles incluem duas das mais velhas e mais renomadas federações do mundo – Estados Unidos e Canadá – e duas das mais jovens – Rússia (em sua forma moderna) e África do Sul (que não se designou formalmente como federal). Eles incluem quatro federações parlamentares – Canadá, Austrália, África do Sul, e Alemanha – e quatro federações presidenciais/congressionais – Estados Unidos, Argentina, Brasil, e Rússia. Eles incluem quatro das federações mais ricas e quatro no nível de renda de baixo a médio. Apesar destas diferenças, as relações intergovernamentais são onipresentes e generalizadas em todos eles. Isto se segue do fato inevitável da interdependência entre seus governos constituintes, um resultado das complexidades da agenda de políticas contemporânea e da impossibilidade, mesmo quando a inspiração original era de criar “compartimentos impermeáveis”, de traçar linhas claras e separadas de responsabilidade.

Mas as instituições e processos que estes países desenvolveram para administrar suas relações intergovernamentais variam amplamente em diversas dimensões. Elas variam de país para país e dentro dos países, em períodos de tempo diferentes e em áreas de política diferentes. A palavra “fluida”, usada para descrever as relações entre os governos, aflora repetidamente nos capítulos anteriores.

Nesta conclusão, eu resumirei as descobertas e conclusões destes estudos de caso, e explorarei os modos pelos quais cada país responde à algumas perguntas comuns. Quais são as principais dimensões nas quais a teoria e a prática das relações intergovernamentais podem variar? O que explica as variações de espaço e de tempo? E, pensando nisto, que lições os profissionais e acadêmicos poderiam aprender da experiência dos outros ao contemplar reformas em seus próprios países? A importância disto é realçada pelo fato de que, em diferentes graus, cada um destes autores acha seu sistema falho em pelo menos algumas dimensões.

PADRÕES VARIÁVEIS EM RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

Há muitas maneiras pelas quais pode-se descrever, organizar, e classificar os sistemas de relações intergovernamentais. Nenhum sistema único de classificação pode apreender todos os detalhes e nuances nestas análises. Mas as seguintes dimensões parecem apreender os principais aspectos de variação.

• Institucionalização ou formalização

Até que ponto as instituições de relações intergovernamentais são baseadas em estruturas administrativas formais? Até que ponto a maquinaria das relações intergovernamentais é delegada pela constituição ou através de legislação? Até que ponto as operações das instituições são elas próprias regidas por procedimentos explícitos e regras de decisão formais? Ou as instituições são fluidas e improvisadas, se desenvolvendo e mudando de acordo com as necessidades políticas dos governos participantes?

É importante distinguir aqui entre os dispositivos constitucionais que moldam a estrutura e a característica globais do sistema federal e as instituições mais concentradas que foram desenvolvidas para estimular a coordenação nas relações intergovernamentais.

Dois grupos de federações não baseiam as estruturas intergovernamentais formalmente em seus sistemas constitucionais. O primeiro são as federações mais velhas – Estados Unidos, Canadá e Austrália. Todas nasceram em uma era de governo limitado, de forma que seus fundadores viram pouca necessidade de mecanismos formais para gerenciar a interdependência. Em uma era de governança complexa e generalizada, as interdependências e os transbordamentos crescem exponencialmente, com os presentes riscos de contradição e duplicação, requerendo o desenvolvimento de mecanismos abrangentes de relações intergovernamentais.

Desde seus princípios, estas federações enfatizaram um modelo de federalismo dualista, separado ou dividido, no qual cada governo seria responsável pela criação e implementação de leis a partir de uma lista definida de responsabilidades. Eles não previram a sobreposição e a interdependência que definem o governo moderno, e assim não construíram os arranjos intergovernamentais formais em seus sistemas constitucionais.

Isto para não dizer que suas constituições nada diziam sobre alguns determinantes fundamentais de como as relações intergovernamentais funcionariam. No Canadá, os poderes federais e provinciais foram definidos em duas listas separadas, e a divisão de poderes contém duas importantes cláusulas residuais - a cláusula de “paz, ordem e bom governo” para o governo federal, e a cláusula de “direitos civis e de propriedade” para as províncias. Além disso, os poderes “de rejeição”, “declaratório”, e “de reserva” todos sugeriam um relacionamento intergovernamental no qual as províncias seriam subordinadas ao poder federal invasivo. Além disso, o federalismo foi acompanhado por um sistema parlamentar estilo Westminster, tendo como fundamento a prestação de contas de cada executivo a seu próprio legislativo. Isto colidiria diretamente com um sistema no qual os governos, em vez disto, prestassem contas um ao outro, e fossem unidos por suas decisões coletivas. Assim, no Canadá, até mesmo a mais ínfima institucionalização do processo – como um compromisso de reuniões anuais de Primeiros Ministros – não foi posto em prática, apesar de muitas propostas neste sentido. De fato, o entrincheiramento constitucional foi incluído em três acordos constitucionais canadenses, em 1971, 1987, e 1992, mas todos os três fracassaram (por outras razões), deixando as idéias no limbo. Um acordo federal-provincial em 1985 continha um compromisso de cinco anos à conferências anuais, mas ele não foi renovado, apesar de forte pressão provincial neste sentido. De fato, a tendência nos últimos anos tem sido em direção à “Reuniões de Primeiros Ministros” menos freqüentes e menos formais, em lugar de “Conferências”.

A Austrália é outra federação unida a um sistema parlamentar estilo Westminster. Aqui também o modelo é dualista, com listas de poderes separadas, e com cada ordem de governo equipada com um conjunto completo de poderes para legislar e implementar sua legislação. Como no Canadá, portanto, as instituições intergovernamentais devem respeitar o princípio invasivo de prestação de contas de executivos a seus respectivos legislativos. Em vez de fazer parte do projeto constitucional fundamental, os mecanismos intergovernamentais são “complementos” que respondem à realidade da interdependência, mas com pouco ou nenhum status legal ou constitucional.

Ambos criaram uma ampla variedade de mecanismos intergovernamentais, mas, ao mesmo tempo, resistiram à sugestões de entrincheirar estes na constituição, e evitaram dar à eles uma base estatutária. Eles permanecem improvisados e fluidos. Como eles não têm nenhum poder de tomada de decisão, não há necessidade do estabelecimento de regras de decisão formais. O Canadá e a Austrália concluíram recentemente acordos e convênios intergovernamentais completos com compromissos firmes e mecanismos de solução de disputas, mas estes permanecem informais – eles também não são preservados na legislação, e não são judicialmente aplicáveis.

Os Estados Unidos são uma federação presidencial/congressional, em lugar de parlamentar. Seu projeto original, com representação estadual igual em um Senado nomeado pelos estados parece contemplar o Congresso como o principal local para a administração de relacionamentos intergovernamentais, mas este papel diminuiu subseqüentemente à emenda constitucional requerendo eleição de Senadores. A constituição dos Estados Unidos também contempla um padrão dualista, com cada nível de governo responsável pela legislação e implementação. Como mostra Kincaid, muitos outros aspectos da constituição norte-americana têm implicações para as relações intergovernamentais – como a cláusula de “fé e crédito totais” – e a constituição contempla a cooperação, bem como a competição, entre os governos estaduais e federais. Mas aqui também há uma relutância para institucionalizar as instituições intergovernamentais formais. Embora haja vários órgãos permanentes, como a Associação dos Governadores Nacionais, as relações intergovernamentais mais comuns são informais e improvisadas, variando amplamente entre os campos de políticas – “federalismo de cercado”.

O modelo parlamentar alemão – em nítido contraste – é um federalismo “compartilhado” e “integrado”, enfatizando não os diferentes status e papéis das diferentes ordens de governo, mas de suas responsabilidades coletivas para legislação e implementação. A maioria das legislações nacionais é implementada e cumprida por governos estaduais (os Länder). Este modelo requer que a constituição e a legislação definam claramente um conjunto complexo de instituições e regras para dirigirem como eles trabalharão para administrar o relacionamento. As relações intergovernamentais, como resultado, estão na parte final institucionalizada e formalizada do espectro.

AÁfrica do Sul é uma interessante mistura de governo parlamentar estilo Westminster e governança cooperativa de estilo alemão. O capítulo três da constituição de 1996 estipula amplos princípios para governança cooperativa intimamente relacionados ao princípio alemão de Bundestreue. Como a Alemanha, a África do Sul tem uma longa lista de poderes simultâneos, e dispõe sobre a implementação provincial de leis nacionais. Não surpreende, portanto, que ela cuide da formalização e institucionalização do relacionamento intergovernamental; e a constituição exige que seja aprovada legislação nacional para estabelecêla. Em vez disto, porém, a legislação ainda não foi criada, e o modelo sulafricano de governança em múltiplas esferas desenvolveu, em vez disto, um conjunto de instituições mais informais, improvisadas (o Conselho Orçamentário, os MinMEC, e equivalentes), que trabalham em linhas semelhantes às do Canadá e da Austrália. Ainda não se sabe se estas serão suficientes para atender as necessidades sul-africanas, ou se uma legislação que formalize as instituições e práticas se mostre necessária.

Na Argentina e no Brasil, os dois outros sistemas federais presidenciais/congressionais, a constituição também afeta profundamente a operação das relações intergovernamentais. Eles diferem dos Estados Unidos principalmente no ponto em que os governadores estaduais, freqüentemente com íntimas relações com membros do Congresso, são poderosos personagens no nível nacional. As ligações entre governadores, Congresso e presidência são o foco fundamental das relações intergovernamentais. O Brasil também é diferenciado por sua constituição definir em detalhes muitos aspectos de jurisdição e finanças.

Em nenhum país, no entanto, a lei ou constituição estabelece os mecanismos para coordenação permanente no nível administrativo. No Brasil, Ferreira Costa nota que as “regras operacionais (…) das instituições políticas e administrativas que deveriam ser responsáveis pela coordenação ou promoção da cooperação intergovernamental são deixadas completamente informais”, resultando em um “padrão de colcha de retalhos das relações intergovernamentais”. Com relação à Argentina, Alberto Fohrig argumenta que há poucos “procedimentos institucionais” para a mediação entre os governos. A incerteza econômica e política, combinada com a “instabilidade institucional”, contribuiu para um complexo e fluido conjunto de relacionamentos entre os níveis de governo, fortemente influenciados por fatores pessoais e partidários. Ele lamenta a falta de padrões efetivos regendo as relações intergovernamentais, mesmo assim descreve uma ampla variedade de mecanismos em constante mutação.

A Rússia também é uma federação em mudança. Seus primeiros anos foram caracterizados por uma complexa manipulação entre as unidades da federação, sem nenhuma visão comum da federação e nenhuma regra clara. O atual presidente russo tem buscado formalizar os relacionamentos, através de mudanças na constituição da segunda câmara, criação de um Conselho de Estado que reunirá chefes dos governos constituintes trimestralmente, e pela nomeação de sete “representantes presidenciais plenipotenciários” regionais, cujos papéis são de encorajar a coordenação.

•O equilíbrio entre o intergovernamentalismo “executivo” e “legislativo”

Na maioria das federações, o grosso dos assuntos intergovernamentais é levado à cabo dentro dos executivos, em relacionamentos entre os Primeiros Ministros (Presidentes e Primeiros-Ministros, Governadores e “Premiers”), membros de seus gabinetes e funcionários na burocracia. Isto reflete a tendência geral para o predomínio executivo em governos modernos complexos, mas é especialmente verdade nas federações estilo Westminster, onde a concentração de poder nas mãos dos executivos é especialmente notável. “Federalismo executivo” é o termo universalmente aplicado ao modelo canadense; a Austrália segue um padrão semelhante.

Em algumas federações, os legislativos desempenham um papel significativo. Eles podem desempenhá-lo de dois modos. Primeiro, a segunda câmara no legislativo pode representar os governos regionais e populações no parlamento nacional e assim proporcionar um fórum para representação e defesa dos interesses regionais no legislativo nacional. Segundo, os legisladores eleitos podem supervisionar a conduta do executivo nas relações intergovernamentais.

O primeiro destes elementos sugere que, em sistemas federais com segundas câmaras fortes representando as províncias – ou seja, elementos fortes de “federalismo intra-estadual” – a segunda câmara será a principal arena à moldar o relacionamento intergovernamental. Os indícios nos capítulos anteriores sugerem que este raramente seja o caso.

No Canadá, a nomeação de senadores pelo governo federal significou que

  1. o Senado não desempenhou virtualmente nenhum papel na mediação entre as duas ordens de governo. Na Austrália, outro sistema Westminster,

  2. o Senado é mais um corpo partidário do que representante de interesses estaduais. Nos Estados Unidos, o Senado, com sua representação igual dos estados, proporciona um contrapeso às forças dos estados maiores. Mas ele é predominantemente um órgão legislativo nacionalmente orientado que já não pode ser visto como essencialmente um guardião dos interesses estaduais.

A segunda câmara na Alemanha, o Bundesrat, é realmente um poderoso órgão que expressa diretamente os interesses dos Länder na criação de políticas nacionais. É talvez o exemplo mais forte de federalismo intraestadual neste grupo de países. Ainda assim, mesmo aqui, o fato é que o Bundesrat representa e é composto por membros do executivo de governos estaduais. Deve ser visto, portanto, mais como um acréscimo de federalismo executivo no processo legislativo nacional do que um fórum para legisladores eleitos.

O Conselho Nacional das Províncias (CNP) na África do Sul é fortemente modelado no exemplo alemão. Seus membros são representantes indicados dos governos provinciais. Eles desempenham um importante papel na legislação nacional. Em matérias que afetam as províncias diretamente, eles votam de acordo com as “delegações” que recebem dos legislativos provinciais, que devem considerar e debater a legislação nacional. Mas, aqui também, os interesses partidários tendem a predominar, e os legislativos provinciais desenvolveram pouca capacidade para debater leis nacionais. O resultado é que o CNP tem, pelo menos até agora, desempenhado um pequeno papel na administração do relacionamento nacional-provincial. Como com os outros sistemas parlamentares estilo Westminster – Canadá e Austrália – os contatos mais importantes acontecem no nível executivo.

Os casos alemão e sul-africano também mostram que uma presença provincial forte na segunda câmara não diminui a necessidade de mecanismos executivos permanentes, tais como a Conferência bianual alemã de Ministros-Presidentes e várias conferências de ministros especializados, os vários “MinMEC” e as freqüentes reuniões de “Premiers” com o Presidente na África do Sul.

O caso argentino é especialmente interessante. Aqui, os governadores provinciais parecem exercer uma enorme influência sobre a conduta dos representantes no Congresso Nacional. Os governadores estão politicamente seguros, comparado a membros de Congresso. Os governadores desempenham um papel importante em nomeações para o Congresso e freqüentemente instruem “seus” representantes congressionais sobre como votar. Conseqüentemente, o sucesso de políticas ao nível nacional tende a necessitar de um consenso entre os governadores provinciais. O Presidente tem de gastar muitos de seus recursos para ganhar o apoio estadual para iniciativas nacionais.

Este padrão é comparável ao do Brasil, onde novamente o Congresso Nacional é fortemente permeado por interesses provinciais. Os comentaristas em ambos os países sugerem que a colonização do centro pelas periferias mina a capacidade do governo nacional de fixar prioridades nacionais e agir decisivamente como um governo nacional. Há um interessante contraste aqui com o debate no Canadá. Lá, é pensamento convencional que o maior fracasso institucional possível do federalismo é a inabilidade de seu Senado em representar as questões provinciais em instituições parlamentares nacionais. Muitas propostas foram formuladas para reformar o senado canadense, de modo a fortalecer sua capacidade como um fórum para federalismo intraestadual. Os casos brasileiros e argentinos sugerem, pelo contrário, que muita influência provincial sobre o centro pode ter efeitos paralisantes.

A segunda dimensão de federalismo legislativo assume que a maioria das relações intergovernamentais acontece entre executivos, mas então se pergunta como os membros eleitos de legislativos federais e provinciais podem monitorar, examinar, supervisionar e debater sobre como seus governos estão se saindo. Este tem sido um assunto importante no Canadá desde a revolta popular contra as reuniões intergovernamentais de portas fechadas sobre a constituição, uma década atrás. Os reformadores argumentam que há muito pouco debate parlamentar sobre as posições que seus governos defenderão em discussões, ou sobre seus resultados; que não há comitês legislativos que supervisionem os assuntos intergovernamentais, nenhum relatório freqüente ao parlamento, e assim por diante.

Julgando pelos estudos apresentados aqui, tais preocupações não são tão proeminentes em outras federações. Na Austrália, Cheryl Saunders e Roger Wilkins notam que nem o Senado nem a Câmara dos Deputados nacional desempenham um papel significativo na administração de disputas intergovernamentais, mas eles não sugerem que isto seja considerado um problema. Membros da Câmara de Deputados na África do Sul não parecem interessados em assuntos de federalismo. Na Alemanha, os membros da Câmara de Deputados, o Bundestag, são envolvidos nos comitês de mediação necessários para resolver diferenças entre este e o Bundesrat.

Nos sistemas congressionais, porém, o Congresso desempenha um papel um tanto maior, como faz como um todo no processo legislativo. Como vimos, na Argentina, os membros do Congresso freqüentemente agem em nome dos governadores provinciais e, no Brasil, os estados até certo ponto colonizaram o legislativo nacional. Nos Estados Unidos, a representação igual dos estados no Senado, e as bases de poder localizadas de membros da Câmara dos Deputados poderiam sugerir um papel central para o Congresso nas relações intergovernamentais. Mas Kincaid conclui que não há nenhum capital político nas “relações intergovernamentais”. As duas Casas têm comitês sobre RIG, mas eles são de pouca importância. A dependência do Congresso do apoio dos governos estaduais e locais caiu drasticamente depois das reformas eleitorais dos anos 60. O Congresso facilitou, e não bloqueou, o crescimento do “federalismo coercitivo.”

A grande questão para reforma aqui é se uma maior e mais efetiva presença do legislativo na arena intergovernamental ajudaria à aliviar o “déficit democrático” freqüentemente associado com o federalismo executivo.

•O equilíbrio de poder entre governos

Arelação entre governos é uma sociedade entre iguais; ou se parece mais com uma hierarquia de governos superiores e inferiores? Obviamente, qualquer relacionamento requer relações intergovernamentais, mas hierarquia e igualdade tendem à conduzir a dinâmicas muito diferentes.

No Canadá, a impressão predominante é de relativa igualdade entre as duas ordens de governo. As províncias, armadas com amplos poderes, recursos burocráticos e fiscais e influência política, mostram pouca deferência à liderança federal. De fato, elas são zelosas na defesa do terreno provincial contra intromissões federais reais ou aparentes. O Primeiro-Ministro continua à presidir as – cada vez mais raras – Conferências de Primeiros Ministros. Mas outros Conselhos Ministeriais são freqüentemente co-presididos por ministros federais e provinciais. Províncias que agem por si mesmas têm uma rede bem desenvolvida de mecanismos intergovernamentais, como a Conferência Anual dos “Premiers”, conselhos ministeriais relacionados e forças-tarefa, e agrupamentos regionais de “premiers”, nos quais Ottawa não participa. Estes mecanismos “Provinciais/Territoriais” proporcionam uma oportunidade para desenvolver estratégias comuns com relação ao governo federal em assuntos contenciosos, forjar acordos com províncias com recursos e interesses variados, e compartilhar informações sobre a administração de problemas comuns. A ausência de tais processos no Brasil pode contribuir para a intensa competição e para as “guerras fiscais” apontadas por Ferreira Costa.

Entretanto, o equilíbrio de poder relativo entre governos nacionais e subnacionais varia com o passar do tempo. O termo usado com mais freqüência para descrever as relações intergovernamentais do Canadá nos anos 40 e 50 era “federalismo cooperativo”, um modelo que sugeria que o governo federal apresentava a liderança fiscal e de políticas, o qual a maioria das (mas não todas) províncias acatavam. Nos anos 60, primeiro com a ascensão de um Quebec mais nacionalista, e então com outras províncias se tornando mais capazes e autoconfiantes, esta aceitação da iniciativa federal diminuiu acentuadamente. O relacionamento se tornou simultaneamente mais igual e mais competitivo.

Em contraste com o Canadá, a lacuna de poder, status e visibilidade entre Washington e os governos estaduais nos EUA é muito grande. Kincaid nota que as RIG no país são simultaneamente “cooperativas, conflituais, competitivas, conspiratórias e coercitivas”, mas não deixa dúvida que Washington seja o governo dominante.

No que se seguiu ao colapso do comunismo, muitas unidades subnacionais russas desafiaram com veemência o domínio central. Os “tratados” que elas assinaram mostram certamente a ausência de hierarquia, e a dinâmica inicial pareceu fortemente centrífuga, na medida em que algumas regiões poderosas construíram uma posição quase independente face à desordem e à fraqueza no centro. Mas, com o Presidente Putin, a maquinaria intergovernamental encontrou-se com um controle central muito mais forte.

A maquinaria das relações intergovernamentais australianas é muito como a canadense, mas no geral os estados parecem exercer menos poder autônomo ou influência sobre o centro do que suas contrapartidas canadenses. Na Alemanha, Schnapauff vê uma extensão gradual de poderes federais sob concomitância e legislação estrutural, com os Länder permanecendo responsáveis pela administração. É difícil, porém, separar poderes relativos em um sistema que coloca tanta ênfase na cooperação.

Apesar de algumas seções de sua constituição, que sugerem um relacionamento de igualdade, a África do Sul é um sistema federalista muito mais compartimentado que os outros casos aqui. O centro tem amplos poderes de derrubar legislação provincial e intervir em administração provincial. Ele tem o controle quase total das receitas públicas. As províncias não desenvolveram um senso forte de si mesmas como personagens políticos independentes. Aparentemente, muitas reuniões intergovernamentais envolvem o centro alistando as províncias em prioridades do governo central.

Na Argentina, Fohrig nota uma recente tendência para a descentralização, na medida em que “os governadores provinciais adotaram um papel cada vez mais ativo como líderes autônomos”.“Um processo de pluralização territorial gradual de poder político está em curso”. Se a recente crise econômica e política reverterá ou acentuará esta tendência ainda não se sabe. O equilíbrio de forças no Brasil parece ter variado grandemente, dependendo do poder político relativo de governadores estaduais e do Presidente Nacional. Embora Ferreira Costa descreva o país como “um dos mais descentralizados do mundo”, e aponte que a mais recente constituição democrática aumentou ainda mais a descentralização política e fiscal, ele também conclui que o Presidente Cardoso foi capaz de articular “um precário equilíbrio político.”

•O equilíbrio entre cooperação e conflito

As relações intergovernamentais são caracterizadas por um senso de valores e propósitos compartilhados e comuns, que enfatiza a necessidade de cooperação e de consenso? Ou o relacionamento é mais competitivo, refletindo preferências acentuadamente diferentes e lutas por poder entre

o governo central e os estados e províncias, e entre as próprias unidades?

As tensões intergovernamentais sobre prioridades de políticas e finança pública são inevitáveis em qualquer sistema multinivelado. Mas há algumas grandes diferenças nos níveis relativos de cooperação ou conflito entre estes casos. O modelo alemão é fundamentado na idéia de que o centro e os Länder agem juntos. Conseqüentemente, a governança cooperativa e a lealdade à federação, o Bundestreue, estão no coração do sistema. A tomada de decisão em todos os níveis dá ênfase à necessidade de cooperação e consenso. A maioria dos mecanismos intergovernamentais requer unanimidade, e então se tornam obrigatórios.

Na África do Sul, também, o padrão integrado de governança enfatiza a necessidade de cooperação. O capítulo três da constituição, intitulado “governo cooperativo”, conclama as três esferas à “cooperarem umas com às outras em confiança mútua e boa fé.” Esta injunção é reforçada fortemente pelo sistema partidário: o Congresso Nacional Sul-Africano dominante governa em sete das nove províncias, e seu executivo nacional exerce um controle considerável sobre a convocação de líderes provinciais.

A lógica subjacente ao sistema Westminster é de política antagônica, competitiva, majoritária, “o vencedor leva tudo”. Apesar dos freqüentes e eloqüentes pedidos para maior harmonia e cooperação entre os governos constituintes, este padrão tende a ser refletido na conduta das relações intergovernamentais no Canadá e na Austrália. Isto é especialmente verdadeiro quando questões são elevadas aos níveis políticos mais altos, e assim envolvem questões de estratégia global, poder e status. Em ambos os países – e em outros, como os Estados Unidos – a cooperação é maior quanto mais baixo na administração, onde os funcionários são mais propensos a compartilhar valores profissionais comuns e públicos semelhantes. Com suas fortes divisões regionais e lingüísticas, expressas por governos provinciais poderosos, o padrão canadense me parece mais competitivo e antagônico que o australiano.

No sistema americano altamente complexo, Kincaid sugere que o relacionamento intergovernamental combina elementos de cooperação e conflito, competição e conspiração. Ele encontra muito ressentimento entre os estados contra o “federalismo coercitivo” de “delegações sem fundos” e similares. Mas as tensões intergovernamentais não dominam o campo político ao ponto que dominam no Canadá.

Na Argentina, o conflito nacional-estadual depende grandemente de se há ou não um governo dividido no centro, com um partido controlando o Congresso e outro a Presidência. Uma razão mais sistêmica para a competição intergovernamental, Fohrig sugere, é que, como resultado do sistema eleitoral e da distribuição de população, a Presidência tende a representar interesses urbanos e o Congresso áreas mais rurais e periféricas. Finalmente, em sua breve história, a Federação Russa testemunhou altos níveis de conflito, na medida em que novas instituições manipularam por poder e influência na nova ordem política.

•A Solução de Disputas

Em todos os sistemas federais, as discordâncias tendem a surgir, seja em assuntos fundamentais de jurisdição, ou em matérias mais detalhadas da administração dos acordos intergovernamentais, arranjos fiscais e semelhantes.

Em todos estes países, os tribunais são o árbitro ou juiz final do relacionamento intergovernamental. Em vários deles, como nos EUA, no Canadá, na Austrália, na Alemanha e na África do Sul, as decisões judiciais afetaram grandemente a real distribuição de poder. Ainda assim, na maioria das federações, recursos aos tribunais são relativamente incomuns. De fato, na África do Sul, o capítulo três, sobre governo cooperativo, ordena especificamente aos governos evitar “procedimentos legais uns contra os outros”, usando os tribunais apenas como último recurso. Em seu lugar, a maioria dos países confia nos processos informais de relações intergovernamentais para resolver diferenças.

Nos Estados Unidos e na África do Sul, a predominância do governo central é tão forte que a maioria das diferenças é solucionada em favor do exercício da autoridade nacional (embora, nos EUA, algumas recentes decisões judiciais – dos “cinco federalistas” – restabeleceram uma medida de autonomia estadual). Em outros casos, a ausência de procedimentos abalizados de solução de disputa significa que a resolução é principalmente uma questão política, e as discordâncias podem ser prolongadas.

Onde os governos concluem acordos formais entre eles, há um forte incentivo para incluir mecanismos de solução de disputa específicos. Este é o caso, por exemplo, com o Acordo Canadense sobre Comércio Interno. O mais recente Acordo Estrutural de União Social incluiu o compromisso de desenvolver tal mecanismo, mas os governos foram relutantes em atar as próprias mãos, e assim houve pouco progresso.

A Alemanha, com sua ênfase na tomada de decisão consensual, e sua singular integração do federalismo parlamentar e executivo no Bundesrat constitui talvez o sistema mais completamente desenvolvido para solução de disputas. Ele foi o modelo para o CNP sul-africano; e inspirou muitas propostas para uma Câmara das Províncias ou Câmara da Federação para substituir o Senado no Canadá.

Instituições Intergovernamentais como órgãos de tomada de decisão

Até que ponto os órgãos intergovernamentais agem como tomadores de decisão abalizados em sistemas federais? As alternativas aqui variam ao longo de um espectro. Em uma ponta, as deliberações intergovernamentais são essencialmente sobre trocar informações e idéias, elas provêem um foro para discussão. No meio estão processos que enfatizam o regateio, a negociação e a persuasão, mas com os governos permanecendo responsáveis perante seus próprios legislativos e eleitorados pelas ações que tomem. No outro extremo estão as instituições intergovernamentais que podem tomar decisões formais, obrigatórias à todos os sócios.

Este assunto surge especialmente no contexto das federações parlamentares do Canadá e da Austrália. Nestes países, há uma forte resistência à atribuir poderes obrigatórios à qualquer órgão intergovernamental não-eleito. A resultante prestação de contas de governos um ao outro minaria potencialmente a prestação de contas de cada um a seu legislativo. No entanto, como Cameron e Saunders e Wilkins demonstram, nos dois países os acordos e convênios intergovernamentais em uma ampla variedade de áreas de políticas compartilhadas foram negociados. Porém, tipicamente, eles têm o cuidado de definir claramente que eles não infringem os poderes legislativos de qualquer ordem de governo e não são aplicáveis judicialmente.

Em federações integradas, como a Alemanha, por outro lado, onde a concomitância é comum, onde os Länder administram leis federais, e onde a homogeneidade e consistência são muito valiosas, os acordos intergovernamentais obrigatórios são a norma.

Na Rússia, os acordos obrigatórios – pelo menos até 1999 – tomaram a forma de tratados bilaterais entre o centro e um grande número de unidades constituintes, embora, de acordo com Alexei Avtonomov, seus “status legais-constitucionais” não sejam claros.

Os órgãos administrativos improvisados nas federações presidenciais/ congressionais também não parecem agir como órgãos formais de tomada de decisão. Os arranjos intergovernamentais desenvolvidos no processo legislativo nacional serão expressos em legislação ou emendas constitucionais.

•O lugar do governo local

Os governos municipais locais são considerados como uma terceira ordem de governo a ser incluída na larga estrutura das relações intergovernamentais, ou o foco está principalmente no relacionamento estadual/provincial com o centro? Os relacionamentos provinciais-locais

geralmente são colocados em uma categoria separada? As relações entre

governos centrais e governos locais têm um papel importante?

A maioria dos documentos neste compêndio focaliza a relação entre governos nacionais e estaduais/provinciais. Algumas federações (neste grupo, a Alemanha, a África do Sul e o Brasil) dão ao governo local um espaço específico dentro da ordem constitucional. Em outros, como o Canadá, a Austrália e os Estados Unidos, os governos locais são criaturas constitucionais das autoridades estaduais ou provinciais. Nos EUA, porém, vínculos relativamente fortes entre cidades e Washington, às vezes contornando os estados, fizeram dos governos locais personagens significativos no sistema federal. Na Austrália, representantes de governos locais foram incluídos no Conselho de Governos Australianos, criado em 1993. No Canadá, por outro lado, as províncias têm persistentemente guardado suas jurisdições sobre governo municipal, e desencorajado fortemente o desenvolvimento de vínculos federais-locais diretos.

Os governos locais podem estar prestes a ter um papel maior nas relações intergovernamentais sul-africanas, na medida em que o recente empowerment e reestruturação dos governos locais aumentaram seus status. Alguns sul-africanos acreditam que, com um centro dominante e governos locais mais fortes, são as províncias que poderão perder significância no sistema.

Dada a importância das áreas urbanas para o crescimento econômico e o dinamismo cultural, é talvez uma pena que o estudo das relações intergovernamentais e o federalismo e o estudo de governança local tenham se desenvolvido como campos de estudo em grande medida separados. A governança multinivelada é crescentemente uma questão de interação de quatro níveis: local, estadual/provincial, nacional e supranacional.

Outra lacuna nos documentos apresentados aqui é o lugar dos povos indígenas nos sistemas federais. No Canadá, o movimento em direção ao “governo autônomo aborígine” tem sido fortemente moldado pela lógica e valores do federalismo – mesmo também estando em tensão com a prática do federalismo. O mesmo é verdade nos Estados Unidos. A Austrália, a Rússia e o Brasil, entre os países representados aqui, também têm importantes minorias aborígines, e as instituições e práticas que associamos com o federalismo também podem se provar úteis nesses países.

EXPLICAÇÕES

Como mostram os resumos anteriores, os padrões de relações intergovernamentais variam amplamente entre os países. As RIG são onipresentes, mas tomam muitas formas. O que explica algumas das diferenças? Algumas das possíveis respostas foram implícitas nos parágrafos anteriores.

•O projeto institucional do esboço mais amplo

O primeiro conjunto de explicações repousa na estrutura ou esboço institucional mais amplo, dentro do qual o federalismo e as RIG estão incorporados. As relações intergovernamentais diferem consideravelmente entre as federações parlamentares e os sistemas presidenciais/congressionais descritos aqui. Nas primeiras, as relações intergovernamentais acontecem em grande parte na forma de relacionamentos entre os executivos das duas ordens de governo. Elas enfatizam o federalismo “interestadual”. Nas segundas, as principais forças que afetam o relacionamento entre o centro e as províncias estão na política do Congresso e em sua relação com o presidente. Como o americano, os casos argentino e brasileiro mostram que há muitos mecanismos intergovernamentais específicos, mas eles lidam principalmente com assuntos administrativos relativamente comedidos. A ênfase está no federalismo “intra-estadual.”

Uma segunda grande característica do esboço institucional mais amplo que afeta as RIG é se os estados ou províncias são ou não representados na segunda câmara do parlamento. Se eles não são, como na Austrália ou no Canadá, então o ônus não só da coordenação de políticas, mas também de conciliação política mais ampla recai sobre as instituições de “federalismo executivo”, ou “diplomacia federal-provincial.” Na Alemanha, um Bundesrat forte e efetivo integra o federalismo legislativo e o executivo.

Na Argentina e no Brasil, os legislativos nacionais localmente orientados, freqüentemente com fortes vínculos com os governadores estaduais, moldam profundamente o padrão das relações intergovernamentais.

Os sistemas eleitoral e partidário constituem um terceiro fator institucional. Se o sistema eleitoral, na medida em que interage com o padrão subjacente de divisões sociais, conduz à uma representação forte das minorias regionais no legislativo nacional e em gabinetes de coalizão, então a tarefa de conciliação é mais propensa a acontecer dentro do legislativo nacional. Este parece ser o caso no Brasil e na Argentina. Como mostra o caso do Canadá, porém, um sistema partidário regionalizado combinado com a concentração de poder em um gabinete unipartidário mina a capacidade integrativa do parlamento nacional.

Com um sistema partidário integrado, no qual os partidos nacionais podem ganhar apoio por todas ou pela maioria das regiões, e no qual partidos nacionais e provinciais/estaduais são intimamente ligados, com considerável mobilidade de liderança de um nível para outro, muito da conciliação entre o centro e as regiões acontecerá no curso da política partidária e na arena política nacional. Este parece ser o caso tanto na Alemanha como nos Estados Unidos. Mas onde os sistemas partidários são regionalmente divididos, como são no Canadá, ou onde partidos diferentes operam nos níveis nacional e provincial, então novamente o ônus da conciliação nacional recai sobre as instituições executivas.

Na Argentina e no Brasil, o sistema partidário e o sistema eleitoral têm grandes efeitos na representação do Congresso e em sua relação com o Presidente.

•O projeto do sistema federal

O próximo conjunto de fatores que moldam o relacionamento intergovernamental tem à ver com como os próprios arranjos federais são projetados. Mais importante aqui é a distinção entre sistemas dualistas, ou separados, nos quais cada ordem de governo é responsável por legislação e implementação em uma lista de poderes especificados, versus sistemas construídos nos princípios de concomitância e responsabilidade compartilhada. Nos primeiros (Canadá, EUA e Austrália), o surgimento de concomitância de facto em muitas áreas faz as RIG necessárias, mas os mecanismos pelos quais administrá-las tendem a ser adições posteriores ao esboço institucional. Em sistemas compartilhados, como a Alemanha ou a África do Sul, as relações intergovernamentais são integralmente do projeto original, e estão assim inseridas nele desde o princípio.

A divisão de poderes (sobrecarregados para o centro ou para os estados/províncias, concomitantes ou separados, simétricos ou assimétricos), os arranjos fiscais e a distribuição de recursos e regras sobre superioridade também terão grandes efeitos na dinâmica do relacionamento intergovernamental.

• Sociedades federais

O efeito dos arranjos institucionais depende em grande parte da natureza da sociedade na qual eles estão incorporados. Em sociedades relativamente homogêneas, nas quais as identidades nacionais são predominantes (como na Alemanha, nos Estados Unidos, na Austrália e, de alguma maneira, a África do Sul), a influência política primária tende à ficar com o governo central. Em tais sociedades, as relações intergovernamentais tendem à ser relativamente livres de conflito e controvérsia pública. Onde divisões étnicas ou lingüísticas regionais e territorialmente baseadas estão profundamente entrincheiradas, as RIG tem muito mais chances de se tornarem a arena na qual visões conflitantes do país sejam representadas, de personificar uma forte competição por poder entre ordens conflitantes de governo, e de abranger uma gama mais vasta de disputas de políticas, incluindo, no Canadá, a própria natureza da constituição. No primeiro grupo de países, as RIG, mesmo se complexas, são essencialmente sobre coordenação administrativa, um problema em administração pública. Não é assim no Canadá, na Rússia, ou na Argentina.

De maneira semelhante, como demonstra os casos argentino e brasileiro, as nítidas discrepâncias de riqueza entre os estados e províncias mais ricos e mais pobres também podem aumentar o conflito, não só entre governos estaduais e nacionais, mas também entre os estados.

•A agenda de políticas

Estes estudos também mostram que o caráter das relações intergovernamentais em qualquer momento determinado é influenciado pela agenda de políticas contemporânea. Até que ponto as questões sendo tratadas pelo sistema dividem o país em linhas territoriais? As questões centrais são as que estão essencialmente dentro da jurisdição de um nível de governo ou outro? As crises econômicas e sociais como a que a Argentina está sofrendo podem ter efeitos dramáticos nas RIG, como tiveram as crises de dívida e déficit que países como o Canadá e os EUA enfrentaram apenas alguns anos atrás.

A globalização, em suas muitas formas, também está tendo um efeito na conduta das relações intergovernamentais nestes países - mas se seus efeitos conduzirão à menos ou mais cooperação, menos ou mais centralização, ainda não se sabe.

Finalmente, os valores, compromissos e ambições de líderes políticos em todos os níveis podem ter efeitos importantes na conduta das RIG. Este foi certamente o caso no Canadá e na Austrália, dois países onde o Primeiro Ministro tem enorme capacidade de moldar o relacionamento.

Os padrões de RIG, portanto, são em grande parte um resultado de tais fatores externos às próprias RIG. Em nenhum destes países as instituições de RIG estão tão fortemente entrincheiradas que tenham um vigoroso efeito independente sobre o comportamento de personagens políticos. Elas são reativas e responsivas, não são determinantes do caráter da federação. Isto não é, porém, o mesmo que dizer que os criadores de políticas em cada um destes países possam ignorar a tarefa de melhorar suas maquinaria para a cooperação.

AVALIAÇÃO

Como os diferentes padrões de relações intergovernamentais descritos nos documentos anteriores se saem? Duas dimensões de desempenho são importantes. O primeiro teste é a habilidade para enfrentar sólidos desafios de políticas; o segundo é o de satisfazer expectativas sobre política democrática.

• Efetividade de Políticas

Até que ponto o processo intergovernamental facilita a coordenação efetiva entre governos? Até que ponto ele minimiza os custos de contradição e duplicação, ou limita os custos de transação da obtenção de metas comuns? Em outras palavras, até que ponto ele evita a “armadilha da decisão em comum?” Isto não sugere que o teste de efetividade é a capacidade de chegar à políticas, padrões e normas comuns em todas as áreas de políticas. Isto sugere que a necessidade de assegurar que os resultados das relações intergovernamentais seja sensível à necessidade de variações em relação à preferências regionais, que é um dos valores centrais do federalismo, e à uniformidade com respeito à valores comuns ao país inteiro.

Cada país, é claro, chega às suas próprias concepções do equilíbrio adequado. Em alguns destes países parece haver uma visão geralmente estabelecida sobre a natureza da federação – a Alemanha, os Estados Unidos e a Austrália se destacam quanto a isto. Embora persista discordância em assuntos específicos, seus sistemas de relações intergovernamentais também são relativamente bem estabelecidos e estáveis. No Canadá, há discordâncias mais profundas sobre a natureza da federação - centralista ou decentralista; simétrica ou assimétrica – o que faz as RIG mais contenciosas e confusas. Este também é o caso na Argentina e no Brasil, embora por razões um pouco diferentes. Arranjos estáveis ainda têm de emergir nas federações mais novas. Na África do Sul, há ainda incerteza sobre a utilidade e viabilidade das administrações provinciais, e um debate sobre os papéis relativos de governos provinciais e locais. Na Rússia, tendências centrífugas nos anos Yeltsin foram substituídas por tendências centralizantes sob o Presidente Putin.

As avaliações globais da efetividade dos mecanismos e processos de RIG em nossa amostra de países refletem este retrato. Saunders e Wilkins concluem que na Austrália “a mistura de governança constitucional e cooperativa facilitou uma estrutura federal dinâmica e flexível.” Na Alemanha, Klaus-Dieter Schnapauff afirma que “o federalismo cooperativo promove o funcionamento, o desempenho e a estabilidade da República Alemã.” Kincaid resume as RIG americanas como um “caos organizado.” Mas que funciona pela ausência de divisões regionais profundas, pela abertura do sistema à forças políticas em todos os níveis e por causa de normas formais e informais que constrangem o comportamento destrutivo.

David Cameron, escrevendo sobre o caso canadense, fornece uma avaliação mista – recentes progressos consideráveis em direção à um grau mais alto de colaboração, junto com alguma dúvida sobre a viabilidade à longo prazo deste modelo e algumas preocupações fortemente expressas da parte de alguns grupos afetados sobre suas implicações quanto à políticas.

Fohrig é muito incerto sobre as conseqüências das RIG do padrão argentino. Os complexos esboços para tomada de decisão e a falta de meios institucionais para mediar entre stakeholders resultou em políticas que “carecem de imaginação” e “têm vida curta e são inconsistentes.” Ele pede “uma nova visão das relações intergovernamentais”, que podem ser

o ponto de partida de um caminho para “a criação de uma estratégia de desenvolvimento à médio e longo prazo.” No Brasil, Ferreira Costa retrata um padrão semelhante de complexa negociação entre o Presidente, o Congresso e os estados, mas ele sugere que o movimento e a coordenação sejam possíveis quando o Presidente for capaz de mobilizar sua própria coalizão no Congresso e bloquear coalizões adversárias.

Olivier conclui seu capítulo com uma longa lista de reformas propostas das estruturas de RIG sul-africanas para equipar aquele país com os meios para tratar mais efetivamente sua extensa agenda de políticas. Alexei Avtonomov faz observações semelhantes até mais veementes para a Federação Russa. Nos dois casos, além daqueles do Brasil e da Argentina, sérias questões podem ser feitas sobre como as relações intergovernamentais podem ajudá-los, em lugar de obstruí-los, no enfrentamento dos desafios das agendas de políticas de desenvolvimento e transformação sócio-econômica.

• Democracia e transparência

O segundo conjunto de critérios para avaliar ou estimar os mecanismos intergovernamentais tem a ver com a democracia. O quão abertos, transparentes, responsáveis e acessíveis são os mecanismos estabelecidos para a conduta das RIG? Quanto mais importantes são estes processos na vida política de uma sociedade, quanto mais é necessário sujeitá-los aos mesmos testes democráticos aplicados à outras instituições. A questão do possível “déficit democrático” é comum à todos os sistemas de governo multinivelados – de fato, ela foi inventada para tratar de problemas na União Européia.

Entre os países representados neste acervo, a questão parece se fazer mais premente no Canadá. Isto é em parte pelo predomínio executivo no sistema, e o caráter fechado de seu federalismo executivo, muito criticado nos últimos anos. É também porque, como um “complemento” ao esboço institucional do Canadá, os mecanismos de RIG não se ajustam facilmente nas concepções tradicionais de governo responsável. Cameron vê a reconciliação da democracia e das RIG como talvez a preocupação mais premente para o Canadá. Questões semelhantes poderiam ser levantadas sobre a Austrália e a África do Sul, mas elas parecem não ser um grande assunto de controvérsia nesses países. A Alemanha, com seu sistema burocrático e seu alto grau de “interconectividade e entrelaçamento”, levanta questões sobre os perigos de se obscurecer os limites de responsabilidade, o evitamento da responsabilidade política, e a remoção da linha entre governo e oposição. Como as RIG nos Estados Unidos são principalmente uma questão de coordenação administrativa, em vez de um debate sobre assuntos fundamentais, como no Canadá, novamente um “déficit democrático” nas RIG não se agiganta. Na Argentina, no Brasil e na Rússia a democracia com respeito às RIG só pode ser vista no contexto mais amplo da democratização nesses países.

CONCLUSÃO

Obviamente, não há um modelo único de “boas” relações intergovernamentais. Em grande medida, os padrões descritos em cada um destes casos respondem às circunstâncias particulares que enfrentam cada país. É impossível transplantar instituições totalmente de uma situação para outra, e provavelmente seria perigoso, se possível. É verdade, no entanto, que a experiência de outros países descritas neste conjunto de estudos sugere muitas possibilidades para aprendizagem internacional e proporciona um ponto de partida útil para avaliar e aperfeiçoar as próprias instituições e práticas de cada um.