RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

John Kincaid*

As relações intergovernamentais (i.e., as relações entre os governos federalestaduais-locais) nos Estados Unidos podem ser descritas como simultaneamente cooperativas, conflituosas, competitivas, conspiratórias e coercitivas. No mundo da administração pública e das operações cotidianas de governo, as relações intergovernamentais são geralmente cooperativas, como têm sido desde os primórdios da república. No mundo de diretrizes políticas de alto nível envolvendo funcionários eleitos, especialmente os membros do Congresso, as relações intergovernamentais têm sido significativamente coercitivas desde fins dos anos sessenta; ou seja, o Congresso aprovou mais delegações, preempções, condições de auxílio e outros regulamentos que afetam os governos locais e estaduais do que nunca. Da mesma forma, os governos estaduais geralmente exerceram mais autoridade reguladora sobre seus governos locais do que antes. No mundo das políticas de nível médio envolvendo funcionários executivos de alto escalão eleitos e nomeados, as relações intergovernamentais são alternadamente cooperativas, coercitivas, conspiratórias e competitivas, dependendo dos planos de ação específicos e das constelações de forças políticas. É, portanto, difícil de generalizar sucintamente as relações intergovernamentais nos Estados Unidos.

As relações interjurisdicionais (isto é, relações estado-estado e local-local) são cooperativas, competitivas ou inexistentes. Nas últimas décadas, os estados reconheceram a necessidade de cooperar bilateralmente, regionalmente e nacionalmente em assuntos de interesse interestadual. Os governos locais também reconheceram a necessidade de cooperar em várias frentes, especialmente para a ajuda mútua e o desempenho de serviços mais econômicos, embora ainda preservando suas autonomias. As relações interjurisdicionais também são competitivas em vários campos de políticas, especialmente o desenvolvimento econômico e a tributação. Na maior parte, entretanto, as relações interjurisdicionais ocupam somente uma pequena parte da atenção dos funcionários estaduais e locais. As relações intergovernamentais são muito mais importantes.

Dispositivos Constitucionais

O artigo IV da Constituição norte-americana permite duas formas de cooperação interjurisdicional. A seção 1 declara: “Total fé e crédito deverão ser dados em cada estado para os atos públicos, registros e processos judiciais de todos os outros estados.” A seção 2 estipula que: “os Cidadãos de cada estado terão direito a todos os privilégios e imunidades dos cidadãos dos vários estados.” Os estados também são proibidos de cobrarem impostos ou taxas aduaneiras em importações ou exportações a menos que obtenham o consentimento do Congresso para assim fazer. Da mesma forma, os estados, implicitamente e por aplicação da lei, são proibidos de aprovar impostos e regulamentos que discriminam moradores e negócios de outros estados. Em resumo, a Constituição busca explicitamente assegurar a cooperação interjurisdicional e proibir as formas mais destrutivas de competição interjurisdicional.

A Constituição não contém nenhum dispositivo geral, explícito, sobre relações intergovernamentais ou cooperação; no entanto, os estados são mencionados 50 vezes em 42 seções do documento, e a cooperação estadual-federal é presumida implicitamente ao longo da Constituição. Por exemplo, não há nenhum mecanismo constitucional para compelir os estados a eleger membros do Congresso ou selecionar os eleitores presidenciais. Conseqüentemente, todo o sistema constitucional depende, no final das contas, da cooperação voluntária dos estados. Não há nenhuma referência a tais conceitos como bundestreue ou loyauté fédérale, nem existe uma exigência para o governo federal se ocupar de equalização fiscal para os estados constituintes. Há alguns poucos dispositivos que pretenderam proibir o governo federal de discriminar entre os estados. Por exemplo, o Artigo I, Seção 9 declara: “Nenhuma Preferência será dada por qualquer Regulamento de Comércio ou Receita aos Portos de um Estado sobre outro.” Finalmente, a Constituição norte-americana não contempla relações federais-locais diretas. Não são mencionados os governos locais em nenhuma parte na Constituição norte-americana porque eles são criaturas constitucionais de seus estados.

As 50 constituições estaduais contêm vários e diversos dispositivos pertencentes às relações intergovernamentais (i.e., estadual-local) e interjurisdicionais (i.e., local-local), e os estados variam grandemente em seus graus de centralização interna, do Havaí altamente centralizado até

o substancialmente não centralizado New Hampshire. Além disso, os Estados Unidos têm mais de 87.000 governos locais de cinco tipos básicos: condados, municípios, cidades e distritos locais, distritos escolares independentes e distritos especiais. No geral, é provavelmente seguro se dizer que as relações estaduais-locais e locais-locais são normalmente cooperativas; porém, há muita variação e diversidade para permitir generalizações mais específicas.

COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL

Desde o começo da república, em 1789, os funcionários federais, estaduais e locais reconheceram a necessidade de cooperarem para alcançarem seus objetivos públicos comuns e específicos. Além disso, até metade do século XX, o governo federal era também fiscalmente e administrativamente fraco para realizar muito por si próprio internamente; assim, teve que confiar grandemente na cooperação dos funcionários estaduais e locais.

As Relações Intergovernamentais nos Estados Unidos sempre foram muito fluidas e informais. Não há nada no sistema norte-americano diretamente comparável com o federalismo executivo prevalecente em alguns sistemas federais, como o Canadá, nem existe um grupo comum de órgãos de tomada de decisão que é comum em algumas federações, como a Alemanha. Dada a natureza dualista do federalismo norte-americano, no qual o governo norte-americano e os estados são co-soberanos, os funcionários estaduais e federais resistiram à criação de instituições intergovernamentais formais. Uma exceção histórica, a Comissão Consultiva sobre Relações Intergovernamentais, que consistiu de três membros do Gabinete do Presidente, três deputados federais, três senadores, quatro governadores, três legisladores estaduais, três comissários de condado, quatro prefeitos e três cidadãos comuns, durou apenas 37 anos (1959-96). Outros fatores que inibem a criação de instituições intergovernamentais formais são o enorme tamanho e a grande diversidade dos Estados Unidos, como também a virtual impossibilidade de fazer os funcionários federais, estaduais e locais Democratas e Republicanos concordarem em assuntos específicos. Em assuntos intergovernamentais, além disso, os 50 estados e mais de 87.000 governos locais raramente concordam em qualquer coisa além dos princípios gerais. Além disso, o sistema federal americano não está consolidado em um governo parlamentar, mas sim na separação dos poderes nos governos sob um sistema de constitucionalismo dual.

Em vez disso, secretarias e funcionários de relações intergovernamentais são institucionalizados separadamente nos governos federal, estaduais e locais, principalmente no poder executivo, embora o Congresso e os legislativos estaduais tenham comitês relativos a relações intergovernamentais. Este modo de institucionalização permite que as agências federais e os vários governos estaduais e locais busquem seus próprios interesses no sistema intergovernamental. Funcionários estaduais e locais cooperam entre si e juntos fazem pressão no governo federal através de suas organizações nacionais voluntárias e sem fins lucrativos, principalmente a Associação de Governadores Nacionais, o Conselho de Governos Estaduais, a Conferência Nacional de Assembléias Legislativas Estaduais, o Conselho de Intercâmbio Legislativo Americano, a Associação Nacional de Condados, a Liga Nacional das Cidades, a Conferência Americana de Prefeitos, a Associação Nacional de Cidades e Distritos Locais, e a Associação de Administração Internacional de Cidades/ Condados. Conseqüentemente, as entidades intergovernamentais são normalmente comitês, forças-tarefa e grupos de trabalho improvisados e de vida curta, criados para consulta intergovernamental e negociação em assuntos específicos. As relações intergovernamentais também tendem a tomar a forma de “federalismo de cercado”, no qual cada campo de políticas tem suas próprias relações intergovernamentais. Reguladores de banco federais e estaduais, por exemplo, se conhecem e interagem entre si. Dentro do campo de proteção ambiental, os administradores de poluição da água federais, estaduais e locais se conhecem e interagem entre si, como fazem os administradores de poluição do ar e assim por diante. Estes arranjos têm a vantagem de dividir o enorme sistema intergovernamental em conjuntos de relação mais íntimos, pessoais e controláveis. A desvantagem, porém, é a dificuldade em se coordenar políticas intergovernamentais entre os campos.

Outra característica das relações intergovernamentais é o importante papel do setor privado. Em primeiro lugar, cerca de metade de toda ajuda federal a governos estaduais e locais é gasta, no final das contas, por organizações sem fins lucrativos privadas (isto é, ONGs) que executam os serviços públicos, como saúde e assistência social. Em segundo lugar, a maioria dos administradores federais, estaduais e locais de alto e médio escalão são membros das mesmas associações profissionais e científicas de âmbito nacional dentro de seus respectivos campos de responsabilidade de políticas e perícia. Nestas associações, os funcionários federais, estaduais e locais compartilham informação e interagem entre si, mas também interagem com acadêmicos e colegas pertinentes aos setores privados com ou sem fins lucrativos. Estas associações geram uma quantidade considerável de cooperação intergovernamental e formulação de políticas pelo desenvolvimento de idéias legislativas aprovadas pelo Congresso e por assembléias legislativas estaduais, pela adoção de padrões profissionais e científicos adotados por todos os membros e pelo desempenho de funções informais de solução de disputas intergovernamentais. Em terceiro lugar, todos os grupos de interesses no sistema político interagem com os funcionários federais, estaduais e locais, promovendo ou frustrando alternadamente, assim, a cooperação intergovernamental.

O PODER EXECUTIVO

Desde o declínio do clientelismo no sistema político, em que o diretor geral dos correios era o principal funcionário do Presidente para as relações intergovernamentais, os últimos presidentes mantiveram uma Secretaria da Casa Branca para Assuntos Intergovernamentais. Durante o primeiro mandato de George Bush na presidência (1989-93), por exemplo, esta secretaria consistiu de um Deputado Assistente do Presidente, que serviu como diretor da secretaria; três Assessores Especiais do Presidente e sete membros do staff. Um Assessor Especial trabalhou com todos os funcionários estaduais eleitos (por exemplo, governadores, vicegovernadores, procuradores gerais, secretários de estado e tesoureiros). Outro Assessor Especial trabalhou com todos os legisladores estaduais e com os chefes ou presidentes de governos tribais indígenas. O terceiro Assessor Especial era responsável pelas relações com todos os funcionários locais eleitos (por exemplo, prefeitos, comissários de condado e funcionários das cidades e dos distritos locais). O Diretor e dois assessores especiais na secretaria de Bush haviam sido anteriormente funcionários eleitos estaduais ou locais. Este é um padrão comum; todos os presidentes preenchem esta secretaria em parte ou substancialmente com antigos funcionários eleitos estaduais ou locais.

Cada Departamento Ministerial do Governo Federal (por exemplo, Departamentos de Estado, Justiça, Comércio, Agricultura, Trabalho, Desenvolvimento Urbano e Habitação, e do Interior), como também outras grandes agências federais (por exemplo, a Agência de Proteção Ambiental), têm uma secretaria para questões intergovernamentais. Estas secretarias são freqüentemente preenchidas em parte ou substancialmente por antigos funcionários estaduais e locais nomeados pelo Presidente. A Secretaria da Casa Branca trabalha intimamente com todas estas secretarias. Durante a presidência de Bush, por exemplo, a Secretaria da Casa Branca organizou reuniões mensais com o staff intergovernamental de cada departamento e agência para compartilhar informações, receber aviso prévio de programas e assuntos vindouros, e ouvir resumos do pessoal das agências sobre assuntos específicos que afetam os funcionários estaduais e locais eleitos.

A teoria básica subjacente à Secretaria da Casa Branca é que um funcionário estadual ou local eleito pode contactar a secretaria com um problema, uma pergunta ou uma preocupação. Em troca, a Secretaria da Casa Branca encaminha o funcionário para, ou ajuda o funcionário a contactar, o correto departamento da Casa Branca, ou pessoa da agência ou secretaria na agência federal específica. A Secretaria da Casa Branca para Assuntos Intergovernamentais pensa freqüentemente em si mesmo como um “drive thru”; ou seja, um funcionário estadual ou local não precisa perder tempo ligando para todas as agências federais para localizar a pessoa ou secretaria correta. Isto pode ser muito frustrante e gastar muito tempo dos funcionários locais e estaduais. Em troca, por ajudar e construir as relações cordiais com os funcionários estaduais e locais eleitos, a Casa Branca pode solicitar o apoio deles para as políticas e objetivos de programa do Presidente.

A Secretaria da Casa Branca também “representa” os funcionários estaduais e locais eleitos dentro da Casa Branca. Quando propostas e programas estão sendo formulados na Casa Branca, a secretaria para assuntos intergovernamentais se certifica de que as visões locais e estaduais sejam representadas nas deliberações e também tenta assegurar que o Presidente não tome uma posição oposta aos interesses estaduais e locais. Quando o Presidente de fato se opõe a estes interesses, a secretaria da Casa Branca se ocupa então de “controlar os danos”, tentando “vender” a proposta ou programa para os funcionários estaduais e locais, ou pelo menos abater suas críticas e aliviar algumas de suas preocupações. Como regra, por exemplo, os funcionários estaduais e locais odeiam delegações federais; conseqüentemente, a Secretaria da Casa Branca tenta ser muito sensível, fazendo com que o Presidente e as agências federais evitem delegações, se possível.

Ocasionalmente, a Secretaria da Casa Branca recruta funcionários estaduais e locais para fazer lobby com seus próprios representantes e senadores no Congresso em assuntos importantes para o Presidente. Os funcionários eleitos estaduais e locais normalmente são os líderes de opinião em seus estados e comunidades. Como tal, podem com freqüência ser lobistas eficazes.

A Secretaria da Casa Branca para Assuntos Intergovernamentais também trabalha intimamente com as principais associações nacionais de funcionários estaduais e locais, como a Associação dos Governadores Nacionais e outras mencionadas acima. Todas estas associações têm secretarias de tempo integral e staff em Washington, D.C. A Secretaria da Casa Branca interage regularmente com os líderes eleitos destas associações, realiza muitos briefings e eventos para eles na Casa Branca, e cuida para que o presidente compareça a seus encontros nacionais anuais. A maioria destas associações também tem lobistas no Congresso. Conseqüentemente, contanto que concordem com o Presidente, elas podem ser muito úteis para ganhar o apoio do Congresso para as prioridades legislativas do Presidente.

Muitos funcionários estaduais e locais também interagem diretamente com o Presidente. Isto é especialmente verdadeiro com relação aos governadores, líderes das assembléias legislativas estaduais e prefeitos de grandes cidades do partido do Presidente. Eles podem ser fortes defensores do Presidente pelo país e perante o Congresso; em troca, o Presidente, se for popular, freqüentemente faz campanha para eles em seus estados e cidades. O sistema partidário, portanto, desempenha um papel importante nas relações intergovernamentais. Ao mesmo tempo, embora todos os presidentes dão ajuda e adaptam alguns regulamentos para jurisdições governadas por funcionários estaduais e locais do próprio partido, há uma forte expectativa normativa de que o Presidente seja bipartidário em todos os assuntos principais e inclua funcionários estaduais e locais de ambos os partidos em todas as deliberações importantes. Além disso, dadas as regras constitucionais e judiciais relativas à regulamentação, o fato de a maioria da ajuda federal aos governos estaduais e locais ser distribuída por uma fórmula, e o papel preeminente do Congresso em gastos eleitoreiros em favor de jurisdições específicas, o Presidente está limitado em sua capacidade de recompensar ou punir funcionários estaduais ou locais específicos de modo significativo.

Desde a promulgação da ordem executiva do Presidente Republicano Ronald Reagan sobre federalismo em outubro de 1987, os presidentes subseqüentes mantiveram tal ordem. A ordem de Reagan regia os departamentos federais e as relações de agências com governos estaduais e locais de uma maneira amplamente favorável a esses governos e restritiva às agências federais. O Presidente Bush I conservou a ordem de Reagan. O Presidente democrata Bill Clinton revogou a ordem executiva de Reagan e lançou uma nova ordem executiva sem consultar os funcionários estaduais e locais. Estes funcionários se opuseram vigorosamente à nova ordem e obrigaram Clinton a retirá-la e promulgar uma ordem mais parecida com a de Reagan em consulta com funcionários estaduais e locais. Atualmente, enquanto este artigo está sendo escrito, o Presidente Bush II está rescrevendo a ordem executiva para o federalismo. Esta é uma questão de alguma preocupação para funcionários estaduais e locais, embora a Casa Branca esteja se consultando com eles.

Os presidentes também variam em suas filosofias e estilos de relações intergovernamentais. Por exemplo, Reagan considerava as relações intergovernamentais como um assunto puramente federal-estadual; ele se recusou, portanto, a comparecer às reuniões anuais das associações nacionais de funcionários locais. Os governos locais haviam obtido um assento à mesa de negociação intergovernamental como o terceiro parceiro no sistema federal durante a era do New Deal do Presidente Democrata Franklin D. Roosevelt, nos anos 30. Reagan, porém, ignorou os governos locais nos anos 80, em parte porque a maioria dos prefeitos das grandes cidades e muitos outros funcionários locais importantes eram Democratas durante sua administração. Clinton foi o primeiro Presidente a chamar os 561 governos tribais da nação à mesa intergovernamental como o quarto parceiro no sistema federal. Isto se refletiu na frase “governos estaduais, locais e tribais” usada em pronunciamentos presidenciais, ordens executivas e vários documentos. Clinton foi motivado a agir assim em parte porque, embora os índios constituam menos de dois por cento da população norte-americana, eles tendem a votar nos Democratas. A nova riqueza acumulada por muitas tribos desde 1988 pela indústria do jogo (pela Lei Federal Reguladora do Jogo Indígena de 1988) fez das tribos importantes protagonistas na política nacional e estadual. Isto também criou um conflito intergovernamental porque as tribos têm afirmado seus direitos de autogoverno como “nações internas dependentes” enquanto os estados, especialmente aqueles do Oeste que têm grandes reservas indígenas, freqüentemente resistem a esta autonomia tribal recém-proclamada.

Há alguns órgãos consultivos intergovernamentais de longo prazo, como

o Comitê consultivo de Política Intergovernamental para o Representante Americano de Comércio (RAC). Este comitê foi criado em 1988 pela insistência do estado e dos funcionários locais que se preocuparam com os potenciais impactos de acordos comerciais como o NAFTA e a OMC, sobre poderes estaduais e locais tradicionais. Em troca, o RAC pedia a cada estado que estabelecesse um “ponto único de contato”, normalmente no gabinete do governador, para comunicações e notificações. O “ponto único de contato” opera também em várias outras políticas entre agências federais e estaduais. Isto causa uma certa preocupação nos legisladores estaduais porque estes pontos únicos de contato ficam normalmente situados no gabinete do governador ou em uma agência do poder executivo. Os funcionários estaduais e locais também são isentos da Lei de Comitê Consultivo federal, que obriga as agências federais a avisar com antecedência da formação e das reuniões de todos os comitês consultivos e divulgar informações completas sobre os participantes. A este respeito, os funcionários estaduais e locais eleitos sustentaram com sucesso que eles são sócios co-soberanos em formação de políticas, e não em interesses privados de lobby.

Nos estados, todos os governadores têm secretarias e staff dedicado às relações intergovernamentais, tanto relações estaduais-federais quanto estaduais-locais. A filosofia, estilo, e operação destas secretarias variam consideravelmente entre os estados e entre os governadores de cada estado. Geralmente, o propósito destas secretarias é de proteger e avançar os interesses do estado e do governador no sistema intergovernamental. A maioria dos estados também tem um Departamento executivo de Assuntos da Comunidade, que lida especificamente com as relações estaduais-locais. Como o Presidente, o governador interage diretamente e regularmente com os funcionários locais, e especialmente com funcionários locais de seu partido político. Novamente, entretanto, costuma-se esperar que o governador esteja “acima da política” ao tratar de assuntos de importância significativa para governos locais pelo estado. Alguns departamentos e agências do estado também têm uma secretaria ou oficial dedicado às relações intergovernamentais. Cerca de 26 estados têm uma instituição consultiva intergovernamental estadual-local de algum tipo composta de funcionários estaduais e locais.

Universidades estaduais e faculdades de comunidades locais, o que compreende a maior parte do corpo docente e dos estudantes nos Estados Unidos, também desempenham papéis nas relações intergovernamentais. Elas são instituições básicas de pesquisa e assistência técnica ao governo federal, que despeja bilhões de dólares em seus cofres de pesquisa. Do mesmo modo, é esperado que elas forneçam assistência técnica a seus estados e seus governos locais, e normalmente realizem serviços baratos que beneficiem as comunidades locais e seus residentes.

Só algumas cidades muito grandes (por exemplo, Nova York, Chicago e São Francisco) e alguns poucos grandes condados urbanos grandes têm uma secretaria ou oficial dedicado às relações intergovernamentais. A maioria dos municípios, cidades e distritos locais são governados por funcionários eleitos de meio período e administrada por somente um ou dois empregados de tempo integral. Como resultado disto, os funcionários locais agrupam seus recursos para relações intergovernamentais. Na maioria dos 48 estados que têm condados, há uma associação estadual de condados que faz lobby com o governador e a assembléia legislativa estadual, negocia com agências estaduais e, em troca, trabalha com a Associação Nacional de Condados para influenciar

o Congresso e o Presidente. Cada estado tem liga local, associação de cidades e distritos locais (nos estados onde estes governos existem), associação de conselhos escolares locais, associação de delegados de polícia locais, e assim por diante. Há várias centenas de tais associações nos estados, que representam os interesses de seus membros na capital estadual e também em Washington D.C., por suas associações nacionais.

Ao longo do sistema federal, há muitas formas da cooperação intergovernamental, como o auxílio federal, empréstimos com baixos juros, receitas compartilhadas e despesas tributárias para governos estaduais e locais. Os Estados repassam quantias significativas de auxílio federal a seus governos locais, ao mesmo tempo em que dão benefícios fiscais semelhantes de origem própria a seus governos locais. Há várias formas de ajuda mútua entre os governos, e há um considerável compartilhamento de informações, idéias, e outras comunicações entre os funcionários federais, estaduais e locais. O governo federal dá assistência técnica para os governos estaduais e locais, e os estados dão assistência técnica a seus governos locais. Também há trocas temporárias de pessoal entre os governos. Por exemplo, a Lei federal de Pessoal Intergovernamental, provê especificamente para os funcionários federais trabalharem temporariamente em agências estaduais ou locais e, como contrapartida, que os administradores estaduais ou locais trabalhem em agências federais.

Em resumo, as relações intergovernamentais na arena executiva, que constitui, sem dúvida, o reino maior das relações intergovernamentais e lida com as operações cotidianas do sistema federal, são bastante fluidas, informais e diversificadas. Embora certamente haja um conflito freqüente, a norma operacional predominante entre administradores é de cooperação.

O PODER LEGISLATIVO

Embora cada casa do Congresso (Senado e Câmara) tenha tido um comitê completamente ou em parte dedicado às relações intergovernamentais desde os anos 40, a influência destes comitês cresceu e minguou com o passar dos anos, minguando até quase a insignificância desde cerca de 1986. Da mesma forma, a Secretaria de Contabilidade Geral, braço investigativo do Congresso, teve uma vez uma unidade de relações intergovernamentais, mas foi dispensada no início dos anos 90. Como um senador norte-americano comentou a este autor em 1988, “não há nenhum capital político nas relações intergovernamentais”. Ajudar um governador, comissário de condado ou prefeito raramente se traduz em votos para um membro do Congresso ou produz contribuições significativas para sua campanha de reeleição.

Os comitês institucionalizados de relações intergovernamentais e outras entidades intergovernamentais associadas ao Congresso nunca foram tidos como necessários até o fim dos anos 40, quando o New Deal do Presidente Roosevelt intensificou e começou a burocratizar as relações intergovernamentais, e estas entidades nunca adquiriram muita importância depois de suas criações. Antes do fim dos anos 60, os membros do Congresso eram altamente protetores dos governos estaduais e locais e solícitos com seus funcionários porque a estrutura territorial da representação do congresso e do sistema partidário, que estava arraigada em bases de poder do condado, fazia os membros do Congresso altamente dependentes dos governos estaduais e locais e funcionários do partido para eleição e reeleição. Este sistema, que data dos primórdios da república, foi radicalmente alterado durante os anos 60 pela redistribuição de distritos eleitorais “uma pessoa, um voto” designada pelo Supremo Tribunal Americano, pela ascensão dos meios de comunicação de massa, com sua propensão a focalizar Washington D.C., e ao que diz respeito à política nacional, pela proliferação de eleições primárias no sistema partidário, pelos movimentos de direitos civis dos anos 60 e por outras forças daquela década - tudo isto desconectou os membros do Congresso de seus ancoradouros eleitorais históricos nos governos estaduais e locais e organizações partidárias. Conseqüentemente, os membros do Congresso viraram sua atenção para os interesses diretos dos eleitores que podem votar contra ou a favor deles e para grupos de interesse locais, regionais e nacionais que podem fornecer contribuições de campanha. Satisfazer estes interesses freqüentemente exige que o Congresso aprove leis que invadem poderes locais e estaduais e contradizem os interesses de governo locais e estaduais.

Pode-se, então, identificar a ascensão de uma era de federalismo coercitivo que emana principalmente do Congresso desde aproximadamente 1968. O federalismo coercitivo foi caracterizado por aumentos sem precedentes desde 1968 de condições de cruzamentos e cortes transversais (i.e., regulamentos) vinculados a auxílios federais, delegações (sem financiamento, sub-financiadas e financiadas) em governos estaduais e locais, preempções (i.e., deslocamentos) de lei estadual por lei federal sob a cláusula de supremacia (Art. VI) da Constituição, invasões em poderes estaduais de imposto, e leis penais que duplicam a lei estadual e normalmente proporcionam penalidades mais punitivas que aquelas exigidas por lei estadual. Razoavelmente, por exemplo, a Constituição identifica somente quatro delitos penais federais; hoje, há mais de 3.000 delitos penais federais, inclusive cerca de 50 delitos para os quais a pena é de execução. Em seus esforços para agradarem os eleitores sendo “duros com os criminosos”, os membros do Congresso se tornaram mais entusiastas da pena de morte do que qualquer assembléia legislativa nos 37 estados que permitem a pena de morte.

Um exemplo de uma condição de corte transversal é a condição da idade mínima para beber vinculada ao auxílio federal às estradas em 1984. Dado que falta ao Congresso autoridade constitucional para decretar uma idade mínima para a compra de bebidas alcoólicas, ele simplesmente induziu todas as assembléias legislativas estaduais a aumentar a idade para 21 anos, ameaçando reduzir o auxílio às estradas em até 20 por cento para qualquer estado que se recusasse a aumentar a idade mínima para consumo de bebida dentro de poucos anos após a aprovação desta condição. O Presidente Reagan assinou a legislação, apesar de sua retórica sobre o direito dos estados, porque era politicamente impossível para ele não agir assim, levando-se em conta a campanha nacional muito eficiente montada por um novo grupo de interesses, as Mães Contra Motoristas Bêbados (MCMB). O MCMB dramatizou o consumo de bebida por adolescentes e condenou as “fronteiras sangrentas”, resultado das diferentes idades mínimas entre os estados. Dakota do Sul contestou esta condição como uma violação da Décima Emenda Constitucional, mas o Supremo Tribunal apoiou a condição com base em que nenhum estado é obrigado a aceitar auxílio federal às estradas. Na prática, no entanto, nenhum estado pode se dar ao luxo de perder os milhões ou bilhões de dólares que seriam perdidos em um corte de 20% do auxílio.

Em troca, grupos empresariais fizeram um lobby vigoroso por preempções federais de poderes estaduais porque eles preferiam ser regulados por “uma gorila de 300kg em Washington do que por 50 macacos com anabolizantes.” Da mesma forma, muitos grupos de direitos civis fazem lobby por delegações federais, preempções e condições de ajuda que beneficiam seus membros e promovem a uniformidade ou igualdade no âmbito nacional.

Geralmente, portanto, a criação de políticas federais se mudou de lugares para pessoas desde o fim dos anos 60, ou seja, para longe dos interesses de governos estaduais e locais e para perto dos interesses dos indivíduos. Isto é bastante notável pela natureza variável do auxílio federal para governos estaduais e locais. Em 1978, o ponto alto na história do auxílio federal, só 31,8% do auxílio federal eram dedicados para pagamentos a indivíduos (por exemplo, saúde e assistência social); em 2001, 63,1% eram dedicados para tais pagamentos. Somente o Medicaid (i.e., assistência médica para o pobre) recebe cerca de 42% de todo o auxílio federal a governos estaduais e locais. Esta mudança do auxílio de lugares para pessoas teve três importantes conseqüências intergovernamentais. Em primeiro lugar, em 2001, só 36,9% do auxílio federal foi para investimentos capitais, infraestrutura, educação, desenvolvimento econômico, operações governamentais e semelhantes para governos estaduais e locais. Em segundo lugar, como os estados são responsáveis por programas de ajudas pessoais, eles agora captam aproximadamente 89% de todo o auxílio federal direto. Em terceiro lugar, como a maioria das concessões de ajudas pessoais acarreta gastos estaduais correspondentes, elas elevaram os gastos estaduais em tais funções. Por exemplo, no fim dos anos 80, o Medicaid (aprovado em 1965) tinha se tornado, em média, a segunda maior categoria de gastos estaduais, deslocando outras prioridades estaduais, inclusive o ensino superior, que era anteriormente a segunda maior categoria de gastos estaduais.

Outra faceta coercitiva da concessão de auxílio é que mais de 85% de todo

o auxílio federal é entregue aos governos estaduais e locais através de cerca de 635 concessões categóricas reduzidas, cada qual devendo ser gasta de modo específico para propósitos específicos. Apenas cerca de 15% dos fluxos de auxílio federal vão por concessões em bloco (por exemplo, o Auxílio em Bloco para o Desenvolvimento Comunitário para as cidades), que são auxílios mais amplos, mais multipropositados, que dão aos governos estaduais e locais mais discrição fiscal e funcional que concessões categóricas. Os Presidentes Reagan, Bush I e Clinton propuseram a aprovação de mais concessões em bloco, inclusive algumas concessões em grandes blocos, mas o Congresso aprovou muito poucas delas.

Como resultado disto, houve um declínio geral no caráter cooperativo dos programas intergovernamentais, especialmente os grandes e duradouros, como o Medicaid e o auxílio federal às estradas (ambos categóricos), e os funcionários estaduais e locais acreditam que são tratados pelo Congresso da mesma maneira que grupos de interesses privados. Os funcionários estaduais e locais têm que fazer fila com todos os outros lobistas na tentativa de influenciar o Congresso.

A competição de grupos de interesses nos quais funcionários estaduais e locais são freqüentemente postos contra poderosos grupos de interesses privados produziu uma certa paralisia nas políticas intergovernamentais, na qual é freqüentemente impossível para o Congresso fazer os ajustes programáticos necessários. Conseqüentemente, os funcionários estaduais e locais puseram pressão crescente no Presidente para a concessão de abdicações de lei federal que permite que os estados se ocupem de experiências e inovações programáticas. O Congresso inicialmente resistiu a tais abdicações quando Reagan e Bush estiveram na Casa Branca, mas consentiu um grande número de abdicações emitidas pela administração de Clinton. Conseqüentemente, o Presidente agora desempenha um novo papel nas relações intergovernamentais, em que ele autoriza abdicações específicas de lei federal para estados específicos como um modo de compensar pela paralisia intergovernamental no Congresso.

Todas as assembléias legislativas estaduais têm um comitê ou subcomitê sobre federalismo ou relações intergovernamentais em cada câmara (i.e., Câmara e Senado, exceto Nebraska, que tem um legislativo unicameral). Em muitos estados, estes comitês são importantes, e mais importantes que suas contrapartidas no congresso, em parte porque os comitês legislativos estaduais têm que lidar com questões associadas ao auxílio federal, delegações, preempções e determinações da corte. As menores arenas políticas nos estados também permitem relações mais diretas e pessoais entre os legisladores estaduais e funcionários locais. Entretanto, assim como com o governo federal, as relações intergovernamentais nos estados são segmentadas entre áreas de políticas. Conseqüentemente, todo comitê substantivo do legislativo trata também de relações intergovernamentais. Além disso, dadas as diferentes situações constitucionais e estatutárias dos condados, municipalidades, cidades e distritos municipais, distritos

escolares e distritos especiais, a natureza e o caráter das relações

intergovernamentais variam entre estes tipos de governos locais.

Muito poucos, talvez nenhum, órgãos legislativos de governo local têm um comitê dedicado às relações intergovernamentais. Ao invés disso, tais questões são administradas numa base de assunto-por-assunto e funçãopor-função. Eles também são deixados principalmente para o funcionário executivo local e, em municipalidades administradas por conselhos de administração, para o administrador profissional da cidade.

O PODER JUDICIÁRIO

Os tribunais são freqüentemente negligenciados nas discussões das relações intergovernamentais porque eles não são figuras ou lobistas diretos no sistema intergovernamental e porque eles somente podem decidir casos que são apresentados a eles (embora o Supremo Tribunal Americano tenha discrição sobre sua jurisdição de apelação). Porém, interpretando as constituições e estatutos, os tribunais federais e estaduais independente do país estabelecem as estruturas constitucionais das relações intergovernamentais, moldam substancialmente o equilíbrio das relações federais-estaduais e estaduais-locais, e decretam algumas das regras básicas para a conduta das relações intergovernamentais. O papel dos tribunais nas relações intergovernamentais é uma reflexão do papel global dos tribunais na sociedade americana; ou seja, o litígio é mais predominante nos Estados Unidos do que na maioria dos países, e os tribunais, no final das contas, decidem muitas questões importantes de política pública.

Dado que os governos locais são criaturas legais dos estados, em vez de co-soberanos com direitos inerentes de autogoverno, e dado que os cidadãos podem entrar com processos relativos às relações estaduaislocais, os tribunais de justiça do estado decidem um número muito grandes de casos envolvendo as relações estaduais-locais, especialmente casos que testam os limites do poder do governo estadual ou local.

Conseqüentemente, muitas questões de relações estaduais-locais são resolvidas permanentemente ou temporariamente pelo supremo tribunal do estado, em vez de pelo legislativo ou pelo governador.

O Supremo Tribunal decide bem menos casos; porém, suas decisões têm impactos profundos no sistema federal e nas relações intergovernamentais. O Tribunal tem sido freqüentemente chamado de “árbitro” do sistema federal. Isto tem sido recentemente notável desde 1991 porque os “cinco federalistas” no tribunal de nove juizes emitiram uma série surpreendente de decisões favoráveis aos poderes estaduais e restritivas ao poder federal.

De 1937 a 1991, o Supremo Tribunal geralmente acatou as interpretações do Congresso de seus poderes sob cláusula de comércio interestadual da Constituição, cláusula de supremacia, cláusula de gastos, Décima Quarta Emenda e outros dispositivos. Assim sendo, o Tribunal permitiu tremendas expansões do poder federal e a criação do federalismo coercitivo. O Tribunal também participou na criação do federalismo coercitivo permitindo que tribunais federais inferiores emitissem muitas ordens contra os governos estaduais e locais e ampliando as bases em que os cidadãos podem processar os governos estaduais e locais em tribunais federais. Os governos estaduais e locais foram obrigados a gastar bilhões de dólares cumprindo as ordens de tribunais federais e arcando com o custo dos processos. Os custos de tais litígios levaram vários estados e cidades grandes a começar a fazer orçamentos com antecedência para os possíveis custos de resultados de casos. A ameaça de litígios caros também levou os estados e muitos governos locais a desenvolver procedimentos de solução de disputas para resolver assuntos fora do tribunal.

Desde 1991, porém, o Tribunal reafirmou vários princípios constitucionais e doutrinais para conter as invasões federais em poderes de estado:

    1. Afirmação da Autonomia Estadual. Em Gregory v. Ashcroft (1991), o Tribunal usou a cláusula de garantia republicana da Constituição

    2. Americana (Art. IV, Seção 4) para apoiar um dispositivo na Constituição de Missouri exigindo que juizes estaduais se aposentassem com 70 anos. Os juizes de Missouri argumentaram que este dispositivo violava a Lei de Discriminação Etária federal. A cláusula de garantia republicana afirma: “Os Estados Unidos garantirão a todo estado nesta união uma forma republicana de governo.” O Tribunal opinou que o governo federal não pode privar os cidadãos de seus direitos essenciais republicanos (i.e., democráticos) de tomar tais decisões básicas sobre seus regimes de estado sobre quando seus juizes deveriam se aposentar.
  1. Proibição de Conscrição Federal. Em Nova York v. Estados Unidos (1992), o Tribunal derrubou um dispositivo da Lei federal de Descarte de Lixo Radioativo de Baixo Nível com base em que (a) ela acarretava uma conscrição inconstitucional federal e recrutamento de funcionários estaduais a executar funções federais e (b) embora os governadores tivessem negociado este dispositivo com o Congresso, os governadores não tinham autoridade sob a Décima Emenda da Constituição de render soberania estadual e, assim, vender os direitos de cidadania dos contribuintes estaduais. Esta doutrina de anticonscrição foi reafirmada em Printz v. Estados Unidos (1997), onde o Tribunal derrubou o dispositivo interino na Lei Brady de Controle de Armas que exigiam oficiais de fiscalização da lei locais para checar o histórico de compradores de arma. O Tribunal estreitou esta doutrina um pouco em Reno v. Condon (2000) mantendo que ele proíbe apenas leis federais que “requerem que os Estados, em sua capacidade soberana, regulem seus próprios cidadãos”

  2. Limitações no Poder de Comércio. Em Estados Unidos v. Lopez (1995), o Tribunal, pela primeira vez desde 1936, derrubou uma lei federal (i.e., a Lei de Zonas Escolares Livres de Armas) como um exercício inconstitucional de poder de comércio interestadual do Congresso. Várias decisões subseqüentes alcançaram o mesmo resultado, colocando assim novos limites nas expansões de poder federal através de expansivas definições de comércio do congresso.

4. Reafirmação da Imunidade Soberana dos Estados. Em Tribo de

Seminole v. Flórida (1996), o Tribunal decidiu que o Congresso não tem autoridade para revogar a imunidade dos estados da Décima Primeira Emenda através de leis aprovadas sob os poderes do Artigo I do Congresso. A Décima Primeira Emenda afirma: “O poder judicial dos Estados Unidos não será interpretado para se estender a qualquer processo em lei ou eqüidade, começado ou processado contra um dos estados dos Estados Unidos por Cidadãos de outro Estado, ou por Cidadãos ou Sujeitos de qualquer Estado Estrangeiro.” O Tribunal fortaleceu esta doutrina em Alden v. Maine (1999) afirmando que a imunidade soberana dos estados em qualquer tribunal é um atributo essencial de suas soberanias, que eles conservaram quando entraram na união federal, não importando as delegações de poderes da Constituição Federal para o Congresso no Artigo I e para os tribunais federais no Artigo III.

  1. Limitação de Seção 5 da Décima Quarta Emenda. Em Cidade de Boerne v. Flores (1997), o Tribunal derrubou a Lei de Restauração da Liberdade Religiosa federal (LRLR). “O poder para interpretar a Constituição em um caso ou controvérsia permanece no judiciário”, opinou o Tribunal. O Congresso não pode ampliar o escopo de seu poder de execução sob a Seção 5 da Décima Quarta Emenda além da “proporcionalidade e congruência” do problema sendo tratado pela legislação. O juiz Anthony Kennedy considerou o LRLR uma “intromissão considerável nas prerrogativas tradicionais e autoridade geral dos estados para regular sobre saúde e bem-estar dos seus cidadãos”. A Cidade de Boerne envolveu uma contestação da igreja sob o LRLR com a autoridade de sua municipalidade de usar seu poder de zoneamento para proibir a igreja de aumentar o tamanho de sua estrutura histórica em uma zona de preservação histórica.

    1. Exigência de Declarações Claras. O Tribunal também exigiu “declarações claras” ou “expressas” em leis da intenção do Congresso de se apossar de poderes estaduais, revogar a Décima Primeira Emenda de imunidade de estados, permitir processos de direitos civis contra

    2. governos estaduais e locais, e vincular condições a auxílios. Na falta de tal declaração clara, o Tribunal derrubará interpretações reguladoras expansivas de leis federais através de agências executivas.
  2. Permissão de que os Estados sejam Laboratórios de Democracia. Em 1932, o juiz Louis Brandeis argumentou que os estados podem ser laboratórios de democracia quando ele opinou que “um único estado corajoso pode, se seus cidadãos escolherem, servir como um laboratório, e tentar experiências sociais e econômicas sem risco para o resto do país.” Em Vacco v. Quill (1997) e Washington v. Glucksberg (1997), o Tribunal se recusou a reconhecer o suicídio ajudado por médico como um direito fundamental sob a Décima Quarta Emenda, apoiando assim proibições de 49 estados ao suicídio ajudado por médico. O Tribunal não negou que tal direito pudesse existir, mas reservou aos 50 estados a tarefa democrática de decidir o assunto e experimentar abordagens a tal direito. Hoje, o Oregon é o único estado que permite limitados suicídios ajudados por médico.

Embora a jurisprudência do Tribunal favorável ao estado tenha alterado ligeiramente o equilíbrio de forças entre o governo federal e os estados, as decisões do Tribunal foram de 5 contra 4. A mudança de um juiz no Tribunal, e é provável que haja duas ou mais mudanças durante a presidência de Bush, poderia parar esta linha de tomada de decisões favoráveis ao estado. De fato, algumas das decisões do Tribunal que afetam a execução de leis de direitos civis causaram controvérsia pública, e a futura composição do Tribunal era uma das questões da eleição presidencial de 2000.

CONCLUSÃO

Em geral, as relações intergovernamentais nos Estados Unidos poderiam ser descritas como “caos organizado.” Há muitos personagens, mas nenhuma hierarquia fixa de personagens, comprometidos com relações fluidas e freqüentemente informais caracterizadas simultaneamente por cooperação, compromisso, conluio, competição, conflito e coerção. O sistema funciona na maior parte, talvez porque não haja nenhuma divisão étnica, religiosa ou lingüística fundamental baseada territorialmente nos Estados Unidos que criasse coligações políticas permanentes que exigissem adaptação institucionalizada. Todos os funcionários públicos – federais, estaduais e locais – são unidos intimamente a seus eleitores e buscam usar o sistema intergovernamental para servir seus eleitores. As regras formais e informais das relações intergovernamentais inibem o clientelismo e o comportamento destrutivo. As regras legais que governam os programas intergovernamentais minimizam a corrupção. Uma unidade básica subjaz ao sistema na medida em que todos os personagens entendem a utilidade do sistema e este sistema aberto e poroso dá oportunidades muito interessantes de tratar de suas questões.

* NOTA DO AUTOR: Este capítulo contém informações sobre a Secretaria para Assuntos Intergovernamentais da Casa Branca durante a presidência de George Bush (1989-93) fornecidas por Debra Anderson, que foi Diretora dessa secretaria. A Sra. Anderson, no entanto, não é responsável por quaisquer erros de omissão ou adição neste capítulo.

John Kincaid é Professor de Robert B. e Helen S. Meyner de Governo e Serviço Público e Diretor do Centro Meyner para o Estudo de Governos Estaduais e Locais do Lafayette College, em Easton, Pensilvânia, EUA. Ele é também editor do Publius: O Jornal do Federalismo.