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POLÍTICA EXTERNA FEDERATIVA
Gilberto Marcos Antonio Rodrigues*
A atuação de governos de estados federados, províncias e cidades nas relações internacionais é um dos mais interessantes fenômenos da atualidade, com particular relevância nos países cuja forma de estado é federativa.
Imersos no rico processo de globalização, esses atores estão progressivamente disputando espaços da agenda internacional com os próprios governos centrais. Embora o Direito Internacional Público indique apenas os Estados e as organizações intergovernamentais como sujeitos, a intensa movimentação de prefeituras, governos estaduais e provinciais está consolidando um novo locus de inserção nas relações internacionais: a política externa federativa.
Certamente, o nível de autonomia internacional de estados federados, províncias e outras células federativas poderá variar, de acordo com os direitos históricos assegurados nas Constituições de cada país. Vale recordar alguns exemplos: a Alemanha, cujas lander podem negociar alguns tipos de tratados internacionais; os cantões suíços que, por exemplo, possuem autonomia para abrigar refugiados políticos; a Catalunha, e o País Vasco, regiões autônomas da Espanha; as províncias canadenses, cuja ânsia de autonomia vem gerando debates sobre secessão; além de Hong Kong e Macau na China etc.
Porém, mesmo quando não há essa autonomia acatada pelos governos centrais e formalizada na ordem jurídica, o fato é que vários estados federados e províncias já atuam com desenvoltura e com bastante independência nas suas ações externas. Quantos governadores são recebidos por presidentes e monarcas e, da mesma forma, quantos chefes de Estado visitam oficialmente governos estaduais e provinciais, negociando e pondo em prática acordos culturais, tecnológicos e comerciais?
As cidades, por seu turno, irão se destacar no cenário internacional na medida em que reúnam elementos políticos, econômicos (finanças e comércio internacional), culturais, populacionais e históricos, cuja força e poder de gerar e atrair fluxos internacionais lhes confira um status de autarquia, de vida própria, independente e conectada com o mundo: são as cidades globais (world cities).
No Brasil, a história política e a tradição constitucional não têm permitido graus de autonomia a estados e cidades no campo internacional. Formalmente, a representação do país é competência exclusiva da União, exercida pelo Presidente da República, que no regime presidencialista é Chefe de Estado e de governo. Cabe assim ao Presidente formular e executar a política externa brasileira. Mas o próprio governo federal já reconhece a existência de redes de contatos internacionais desenvolvidos por estados federados e municípios.
Prova desse reconhecimento foi a criação em 1997 de uma Assessoria de Relações Federativas no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Consta na sua homepage que esse novo órgão "destina-se a fazer a interface do MRE com os Governos dos Estados e dos Municípios brasileiros, com o objetivo de assessorá-los em suas iniciativas externas, tratativas com governos estrangeiros, organismos internacionais e organizações não-governamentais".
É importante recordar, no entanto, que apesar do Itamaraty deter oficialmente o bastão da política externa, há temas que envolvem outros ministérios, autarquias e órgãos da administração pública.
Durante a década de oitenta, ocorreram as primeiras iniciativas de políticas externas federativas de governos estaduais brasileiros: as experiências dos governos do Rio de Janeiro (Leonel Brizola) e do Rio Grande do Sul (Pedro Simon). Hoje em dia, quase todos os estados têm a sua Assessoria ou Secretaria de Relações Internacionais. Megacidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo etc. também passaram a se preocupar com sua projeção e vêm tratando de mover-se no espaço internacional, amparadas em suas próprias necessidades.
A busca de recursos internacionais, por exemplo, tem estimulado essas novas manobras federativas no espaço internacional. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) são procurados diretamente por governadores e prefeitos que almejam recursos internacionais para executar obras de infra-estrutura, lançar programas de saneamento, educação, saúde etc. No ano passado, pela primeira vez desde sua fundação, o Banco Mundial aprovou a concessão de empréstimos diretos a estados federados de um país - Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul foram os contemplados - com o aval da União e a aprovação do Senado Federal.
Os chamados novos temas das relações internacionais também geram novas demandas de política externa federativa, como as questões relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. A Agenda 21, um compromisso não-obrigatório da perspectiva jurídica internacional, mas com grande ascendência política, aprovado na Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), é enfática quanto à importância das ações locais e federativas. Esse compromisso está facilitando a inserção de estados, províncias e cidades nos debates e foros internacionais e nos processos de tomada de decisão das instâncias mundiais.
Por seu turno, a economia global contribui sobremaneira para a criação de redes de intercâmbio interestatal de cidades e estados de diferentes países. Características comuns - geoeconômicas, populacionais, urbanas - podem aproximar estados, províncias e cidades e levá-las a estebelecer fortes vínculos de cooperação. É o caso, por exemplo, do Acordo de Cooperação Técnico-Científica entre as cidades portuárias de Santos e de Amsterdam, firmado em 1993.
Finalmente, os processos de integração constituem verdadeiras usinas de participação de estados e municípios nos assuntos internacionais. E o Mercosul, desde seu lançamento em 1991, está criando um expressivo volume de novos interesses locais e regionais no Brasil, especialmente nos estados limítrofes e cidades fronteiriças a Argentina, Paraguai e Uruguai.
O impacto de novas teias complexas, tecidas por essas unidades federativas não-centrais, ainda está por ser devidamente avaliado e estudado. Contudo, a existência de uma política externa federativa, multifacetada por suas origens locais e regionais, é uma realidade que já se impõe com vigor e segue conquistando importantes espaços nas relações internacionais.
*Gilberto Marcos Antonio Rodrigues é professor de Direito Internacional na UniSantos e Universidade São Judas Tadeu, doutorando em Ciências Sociais (Relações Internacionais) pela PUC-SP, mestre em Relações Internacionais pela Universidad para la Paz (ONU/Costa Rica) e pesquisador-associado do Centro de Estudos das Américas da Universidade Cândido Mendes (UCAM)
(Publicado em: Network, Centro de Estudos das Américas/UCAM, Rio de Janeiro, V.7, N.3, p.6, Set-Dez, 1998)